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SAÚDE | No capitalismo, a saúde também é mercadoria

O sistema capitalista revolucionou os modos produtivos, entretanto esta mudança trouxe consigo também as mazelas que sentimos. O trabalhador sofre com a alienação de seu trabalho e junto com a perda do valor do resultado de seu trabalho se transforma, junto com este, em mercadoria. A mercantilização é uma questão inerente do sistema, fazendo com que qualquer coisa siga as leis do mercado. A saúde entra neste bojo e aqui colocamos uma primeira reflexão sobre.

quinta-feira 12 de julho de 2018 | Edição do dia

O sistema capitalista, vigente há cerca de 200 anos, revolucionou os modos produtivos que o antecederam, sendo que esta mudança material do modo de produção começa a criar necessidades que antes não existiam e podendo atendê-las (Marx e Engels, 1998). Como consequência deste novo modo de produção, o homem, que reconhecia o produto de seu trabalho como resultado decorrente de sua livre atividade criadora a partir da modificação da natureza, para alcançar seus objetivos, de forma planejada, para atender suas necessidades, acaba sendo reduzido a besta de carga, pois os bens materiais produzidos por ele não mais o pertencem e cujo seu destino escapa de seu controle. Em outras palavras, os meios sociais de produção vigentes no sistema capitalista – baseando-se na propriedade privada – transformam o homem em um mero meio de produção de riqueza particular, já que o desenvolvimento de sua atividade criadora estará atrelado a condições impostas pela divisão da sociedade de classes (Konder, 1976). Tal fenômeno é denominado como alienação do trabalho, já que o indivíduo não mais se reconhece no trabalho, não se realiza, o trabalho somente o escraviza já que é obrigado a ser realizado para se manter vivo – vendendo sua força de trabalho (Marx, 2011).

Essa alienação faz com que as pessoas acabem sendo dominadas pelas coisas que elas mesmas produzem, já que este produto – mercadoria – não é feito para uso imediato do produtor. Ou seja, o trabalhador produz a mercadoria para sua venda ao mercado e não para sua necessidade imediata, fazendo com que o caráter da mercadoria se sobreponha, ocultando a exploração nas relações de trabalho, já que os trabalhadores acabam sendo somente instrumentos da produção e o que impera são as leis do mercado que, dialeticamente, impõem as operações de trabalho. Assim, no sistema capitalista tudo acaba se medindo pelo valor de troca, transformando tudo em mercadoria, até mesmo homem, já que o trabalhador vende sua força em troca de ganhos para sua subsistência (Konder, 1976).

Essa mercantilização de tudo faz com que o trabalho e as condições sociais na qual este é realizado – modo de produção – se transformem em fatalidades, obscurecendo as relações dos meios de produção, transformando a mercadoria, ou melhor, o consumo desta, como mais importante. Analisando esta questão, Marx (2011) define o fetichismo da mercadoria, que seria a relação que o sistema capitalista estabelece entre mercadorias e pessoas. Em outras palavras, a mercadoria passa a ter um valor de troca que é superior ao seu valor de uso, já que os caracteres especificamente sociais de seus trabalhos privados aparecem apenas no âmbito dessa troca.

Como colocado anteriormente, tudo no sistema capitalista se transforma em mercadoria, portanto a saúde se enquadrada como tal, já que é apropriada pelo mercado. Ou seja, a saúde, como veio sendo organizada historicamente, por dentro do sistema capitalista, tem um caráter de mercadoria, pois seu foco principal não é a necessidade do produtor (que neste caso seria a prevenção às doenças), imperando somente as leis do mercado (que neste viés seriam os interesses das indústrias farmacêuticas e que, portanto, estaria voltado para o tratamento dos sintomas de doenças) e reduzindo os trabalhadores desta área a instrumentos de produção (tendo como foco não a saúde em si, mas a doença e fazendo daqueles profissionais meros produtores de diagnósticos e de encaminhadores para fármacos).

Utilizando-se do conceito de alienação, pode-se dizer que os trabalhadores da área da saúde, principalmente os médicos, acabam abandonando a visão de que a doença é um desequilíbrio do sistema que tem determinações fundamentais e que deve ser entendido de forma dialética. Assim, a estratégia em se remediar os sintomas da doença acaba por abordar verdades parciais e fragmentadas, levando a diagnósticos e tratamentos que não sejam efetivos para o organismo de um modo geral, já que não o leva em conta, pois não se vai a fundo ao por que do desequilíbrio, tratando somente o seu expressar (Dantas, 2018).

Toda esta questão está atrelada ao que é mais relevante para o mercado, ou seja, quais são os tratamentos mais modernos e os diagnósticos de ponta que ofereçam mais taxa de lucro, gerando então um fetichismo destes por parte daqueles que o irão consumir. Portanto, a saúde – ou melhor – a doença acaba sendo o destaque e tudo que se relaciona a esta (tratamento, diagnóstico, instalações hospitalares, profissionais da saúde) acabam se transformando em mercadoria.

O Sistema único de Saúde (SUS) é uma conquista sem relevante na questão de colocar a saúde como um direito universal. Ela foi fruto de um grande movimento popular pelo direito a saúde pública universal que confluiu com um estrondoso movimento operário que foi capaz de pôr fim a ditadura militar, mas que foi desviado para as eleições. Apesar desta conquista, desde as bases de construção do SUS foram colocados limitadores que acabaram por concretizar a mercantilização da saúde no Brasil.

Mesmo com todos os embates que levaram a saúde a ser designada como um direito, alguns dos preceitos firmados na constituição abriram brechas para que os interesses do mercado – neste caso para os interesses dos investimentos privados (indústrias farmacêuticas). Ou seja, desde sua implementação – sua organização pelo Estado – os governos limitaram a abrangência do SUS, colocando uma incapacitação no sistema que abre brecha para o investimento privado. Como os interesses empresariais se apropriam da assistência médica – inicialmente – mesmo tendo um controle estatal na sua funcionalidade, a doença e, consequentemente o fetichismo em suas mercadorias, acaba se sobressaindo sobre os métodos preventivos e de domínio público.

Esse choque nos interesses em cuidar / prover saúde universal de forma pública com um setor da burguesia, que tem o domínio do setor e dos aparatos da área de saúde, acaba por firmar, cada vez mais, a mercantilização da saúde. Com o avançar da entrada do capital estrangeiro no ramo da saúde brasileira – por meio de leis – acaba levando uma massificação dos planos de saúde (concorrendo diretamente com o que é oferecido publicamente) e que, consequentemente aceleram o sucateamento do SUS.

Assim, para se ir de embate com a mercantilização da saúde e, consequentemente, garantir a saúde como um direito universal e um SUS de atendimento integral é necessário abolir as bases fundamentais do sistema privado de saúde que estão voltadas ao interesse do mercado (do interesse do investimento privado, que leva a privatização do sistema) e que a saúde esteja a serviço da população sob controle dos trabalhadores e gestão dos usuários.

Bibliografia:

Dantas, G. O método dialético em medicina. Disponível em: http://www.esquerdadiario.com.br/O-metodo-dialetico-em-medicina.
Konder, L. Marx – Vida e obra. 2ª ed. RJ: Paz e Terra; 1976.
Marx, K. O capital: Crítica da economia política. O processo de produção do capital. 2ª ed. São Paulo: Editora Boitempo; 2011.
Marx, K e Engels, F. Manifesto comunista. São Paulo: Editora Boitempo; 1998.




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