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Racismo | "Lista suja" com 473 patrões que usam trabalho escravo: capitalismo e impacto da reforma trabalhista

No dia 5 de outubro, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) lançou a lista atualizada semestralmente com 473 pessoas físicas e jurídicas (empresas) que utilizam trabalho escravo no Brasil. Um número recorde para a lista, que escancara o horror da estrutura escravista do capitalismo, assim como os impactos da reforma trabalhista, aprovada por Temer golpista, aprofundada por Bolsonaro e mantida pelo governo de Lula e Alckmin. Veja aqui alguns patrões

sexta-feira 13 de outubro de 2023 | Edição do dia
Foto: Brasil 24h. Trabalhadores da recordista Agropecuária Nova Gália

1. Agropecuária Nova Galia LTDA
Localizada na zona rural de Acreúna, Goiás, conta na lista com 138 trabalhadores de plantação de cana de açúcar envolvidos em trabalho escravo.

2. Fábrica de de sacos de lixo ligada à Casa de Recuperação Apóstolo Pai e ao Ministério Soberania Divina
Localizada em Ceilândia, Brasília/DF, flagrada com 78 trabalhadores nessa situação.

3. Fazenda Guavirá
Localizada em Iguatemi, Mato Grosso do Sul, 44 trabalhadores em situação de trabalho escravo.

4. Fazenda Santa Alice
Localizada na zona rural de Jacuí, Minas Gerais, com 33 trabalhadores de plantação de eucaliptos, diversos nordestinos, em situação de trabalho escravo.

5. Fazenda Arca de Noé
Localizada em Pontalina, Goiás, com 33 trabalhadores da colheita de laranja.

No início do ano, a lista do MTE contava com 289 pessoas físicas e jurídicas. A nova atualização (confira a integra aqui) retirou alguns nomes por decisões judiciais ou por completarem dois anos que constavam na lista, o que significa que para além desse radar e de caducar o tempo dos patrões na lista, sim, os números são muito maiores.

A inclusão conta com as Cervejarias Kaiser, do Grupo Heineken. Segundo o G1, grupo quis tirar o corpo fora, dizendo que está relacionada a infrações trabalhistas cometidas por uma transportadora que prestava serviço à marca, mas que não faz mais parte do quadro de fornecedores da empresa.

Minas Gerais foi o Estado que mais somou registros, com 37 novos empregadores. São Paulo aparece na sequência, com 32, e a região do Centro-Oeste também é recordista.

O que chama atenção brutalmente é que as atividades econômicas com maior número de patrões incluídos na lista são: produção de carvão vegetal, criação de bovinos para corte, serviços domésticos, cultivo de café, extração e britamento de pedras. O fato do serviço doméstico ser a terceira atividade econômica com mais adição escancara como vivemos as marcas profundas da escravidão no Brasil das mucamas. É nesse dado asqueroso que podem figurar capitais nordestinas como Recife e Natal, que constam na lista. Assim como figura a região do Centro-Oeste e o Estado de Minas Gerais, com recorde de trabalho escravo nas grandes fazendas.

Na situação laboral que vivemos no Brasil hoje, é necessário apontar os impactos da reforma trabalhista, que legaliza profundamente esse cenário. É válido relembrar o assassinato de Moïse Kabagambe, trabalhador de quiosque no Rio de Janeiro morto a pauladas, depois de reivindicar o pagamento do seu salário que não estava sendo pago. Isso foi fruto da reforma trabalhista, que acachapa as negociações coletivas de salário, abrindo espaço a que os trabalhadores negociem individualmente com os patrões.

A título de exemplo, um ponto central e nítido de como a Reforma Trabalhista aprofunda o trabalho escravo no Brasil é de que, no texto aprovado no Senado em 2017, dizia: “Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural ou agroindustrial, sob a dependência e subordinação deste e mediante salário ou remuneração de qualquer espécie”.

Ou seja, não à toa estão entre as recordistas de trabalho escravo as grandes fazendas brasileiras do agronegócio. Na prática, entre diversas linhas da reforma, está que o dono da terra não precisa remunerar o trabalhador do campo com salário, e sim abater no pagamento do trabalhador os serviços ou bens fornecidos no local de trabalho, por exemplo em "conta" nos armazéns do proprietário rural. Da mesma forma, o proprietário rural pode, segundo a reforma trabalhista, cobrar previamente pelo alojamento dos trabalhadores rurais, ou pelo transporte. Isso significa que o proprietário rural pode chegar a não pagar nada ao trabalhador e ainda obrigá-lo a trabalhar para pagar uma dívida abusiva com o dono, deixando o trabalhador preso e dependente desta propriedade rural. O que a reforma faz com isto é legalizar a relação em que o proprietário rural pode vir a ser proprietário do próprio trabalhador.

Essa reforma foi aprovada por Temer, que chegou ao poder através do golpe institucional de 2016, articulado pelo Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF), e tutelado pelos militares. O governo Temer reduziu em 23% as operações contra o trabalho escravo em 2017. Já o governo Bolsonaro não só aprofundou a reforma trabalhista, como era um sádico em relação ao trabalho escravo, dizendo que havia um "ativismo fiscalizatório".

Mas então esses dados saltarem agora é um ganho do governo de frente ampla Lula-Alckmin? Aí precisamos relembrar os escândalos das vinícolas no Rio Grande do Sul do início do ano e o fato de que, para tranquilizar o mercado, o agronegócio e a Federação da Indústria do Estado de São Paulo (FIESP), o governo atual garantiu que não vai revogar nada da reforma trabalhista. Muito menos então a Lei da Terceirização Irrestrita (também aprovada por Temer e aprofundada por Bolsonaro), que aprofunda o cenário do trabalho semi-escravo no Brasil, que salta à vista diante dos escândalos denunciados pelos terceirizados de diversas universidades de excelência (!) no Brasil. Umas das últimas denúncias mais estrondosas e que dialoga com o cenário da construção civil no Brasil, também denunciado pela recente greve dos trabalhadores da MRV, é que os trabalhadores terceirizados da manutenção da empresa D&L, na UFRN, escancararam que nem direito à geladeira para guardar suas marmitas eles têm. Os terceirizados do canteiro de obras da UFRN, rankeada a melhor universidade do Nordeste, vivem um descaso brutal, armazenando suas comidas em chocadeiras que eles mesmos improvisam.

Valdete Souto Severo, professora da Faculdade de Direito da UFRGS, nos ilustra a relação entre o trabalho escravo e a terceirização, em entrevista, dizendo: "(...) se a gente olhar os casos de pessoas resgatadas nos últimos anos em situação de escravização, verá que a maioria deles se refere a pessoas terceirizadas. Como a terceirização interpõe um sujeito entre o Capital e o Trabalho, facilita a exploração fora dos parâmetros legais. Na realidade, esse terceiro, esse suposto terceiro, ou se trata de uma figura que junto com o empregador se apropria dos resultados do trabalho (fazendo parte, portanto, do “capital”) ou tem também sua força de trabalho explorada (é um empregado muitas vezes convencido de que virou empreendedor). Por isso, sequer se trata propriamente de um terceiro. Ainda assim, essa figura interposta, na maioria das vezes uma empresa ou pessoa sem maiores recursos financeiros, permite que grandes empresas estejam mais distantes do local e da condição em que a força de trabalho é efetivamente explorada e isso facilita, sem dúvida nenhuma, a exploração em condição análoga à de escravidão".

Depois dos anos de governo do PT, anteriores ao golpe de 2016, o número de terceirizados subiu de 4 a 12,7 milhões, em 2013, escancarando como a conciliação de classes fortaleceu as medidas neoliberais que vemos hoje. Assim como foi Dilma Rousseff quem reprimiu com a greve dos trabalhadores terceirizados do PAC de Jirau em 2012, com a Força de Segurança Nacional.

São muitas as camadas de perpetuação do trabalho escravo no Brasil, demonstrando que devemos nos apoiar em cada exemplo de luta da classe trabalhadora. Dos trabalhadores de Jirau, aos trabalhadores da MRV de Campinas, aos trabalhadores terceirizados das universidades brasileiras, assim como a luta dos metroviários em São Paulo, dos terceirizados aos efetivos, que batalham contra as privatizações do governador bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos - que agora faz parte de ministério do governo Lula). E precisamos batalhar, na perspectiva de acabar com a exploração do trabalho, com negras e negros na linha de frente, a efetivação dos terceirizados sem necessidade de concurso público e o fim da reforma trabalhista. Para isso, exigir que as grandes centrais sindicais, como a CUT e a CTB, dirigidas pelo PT e pelo PCdoB, que organizem a luta em cada local de trabalho.

Conheça o Manifesto contra a terceirização e a precarização do trabalho, redigido pelo juiz Jorge Souto Maior, pelo professor e sociólogo Ricardo Antunes e pela trabalhadora da USP e fundadora do Pão e Rosas no Brasil Diana Assunção.




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