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Fundamentos econômicos de O Capital: Guedes e os verdadeiros parasitas

Matheus Correia

Fundamentos econômicos de O Capital: Guedes e os verdadeiros parasitas

Matheus Correia

Recentemente o Ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, proferiu a expressão que correu o Brasil ao chamar os servidores de "parasitas" em uma palestra no seminário do Pacto Federativo na FGV.

O termo "parasita" voltou na mídia recentemente não somente pela frase de Paulo Guedes, mas também pelo filme "Parasita", ganhador do Oscar de melhor filme, que ao retratar a busca incessante por trabalho na Coréia do Sul, faz um retrato preciso do capitalismo mundial em sua fase de relativa decadência depois de 12 anos da crise mundial.

O filme retrata o desespero da família Ki-taek que vive nos subúrbios sul coreanos para a arrumar um trabalho até encontrar a endinheirada família Parks que vive no luxo em gráfica disparidade com o resto da sociedade.

A todo momento estamos falando da desigualdade, ricos e pobres, ganhadores e perdedores, parasitas e hospedeiros,de quem detém, em última instância, da riqueza produzida pela sociedade. Queremos nesse texto retomar os fundamentos marxistas para explicação da economia capitalista, para mostrar quem são os verdadeiros parasitas e quem são os hospedeiros em nossa sociedade.

Entendendo a exploração

Ainda que cotidianamente entendemos a exploração como sinônimo dos "abusos" feitos pelos grandes empresários sobre a maioria dos trabalhadores, a intenção desse texto é mostrar como a exploração constitui não a exceção, mas o fundamento do lucro que é o motor do sistema capitalista.

A exploração em geral

Desde os primórdios da sua existência o homem necessitou transformar a natureza para sua sobrevivência. A caça, a agricultura, a extração de materiais para construção de um abrigo, etc. Ao transformar a natureza o homem também transforma a si próprio, sua maneira de pensar, de agir, de interagir com si próprio, os outros e a natureza constituindo assim a base para a constituição da vida em sociedade.

Quando dizemos em transformar a natureza, estamos fundamentalmente falando da aplicação do tempo e da energia individual aplicados para a transformação da natureza. Fundamentalmente estamos falando de trabalho, ou seja, a atividade por meio do qual o ser humano emprega sua força para prover os meios do seu sustento, um bem inalienável de si.

A interação e o constante choque na maneira como o trabalho é empregado na transformação da natureza (relações de produção) e os instrumentos e a técnica utilizadas para tal (forças produtivas) constituem o modo de produção de determinado período histórico.

Em Introdução a teoria econômica marxista, Mandel nos dá um definição chave: "Todos os progressos da civilização estão determinados em última instância pelo aumento da produtividade do trabalho" [1]. Assim, ele se refere à capacidade do ser humano de apropriar-se e dominar a natureza, do qual são parte.

As possibilidades de desenvolvimento de cada sociedade em um momento histórico determinado dependem fundamentalmente do estado em que se encontra as forças produtivas. Estamos falando dos elementos que determinam a capacidade dos seres humanos para transformar a natureza, que incluem os meios de produção e as técnicas de organização do trabalho que determinam o poder do homem sobre a natureza e os aspectos sociais da organização do trabalho.

As primeiras civilizações se caracterizaram durante milhares de anos pelo baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas. Assim,

“A produtividade do trabalho é tão baixa que o produto do trabalho de um homem só é suficiente para cobrir sua própria existência, não se registra tampouco uma divisão social, não há diferenciação no interior da sociedade. Em tal caso, todos os homens são produtores, todos se encontram no mesmo nível de carência.” [2]

A produtividade do trabalho estava mais determinada por fatores externos e estávamos expostos a forças incontroláveis da natureza. A abundância era antes produto de fatores excepcionais como condições climáticas favoráveis e não da racionalização da técnica e da produção para a maximização do produto do trabalho. Salvo exceções, era o período de socialização da miséria e da indigência.

Com o desenvolvimento das forças produtivas, com a criação de diversos instrumentos que facilitam o trabalho e aumentam a produção, se cria um excedente pois a produtividade do trabalho é maior que antes, o que permite que nem todos tenham que produzir para a própria subsistência. Agora é possível que apenas uma parcela da sociedade produza comida suficiente para todos e o restante possa empregar sua força em outras atividades.

Esse aumento da produtividade acima do nível "elemental" permite a divisão do trabalho e cria a possibilidade da luta e disputa pela repartição do produto do trabalho excedente. Aqui surge a possibilidade do surgimento das classes sociais, da possibilidade de que um setor dominante se libere do trabalho para subsistência a partir da apropriação do trabalho excedente de outra classe, apoiando-se fundamentalmente no monopólio da força para a apropriação desse trabalho. É também juntamente com a possibilidade de um excedente do trabalho e a divisão em classes da sociedade que surge as primeira formas de Estado, tema que abordaremos posteriormente.

Nessa introdução quero mostrar que a exploração nem sempre existiu, mas sim que ela é fruto de relações historicamente determinadas que dizem respeito à repartição, especificamente a apropriação por uma classe, do excedente do trabalho. E mesmo a exploração nem sempre foi a mesma, existindo três formas fundamentais: escravismo, servilismo (feudalismo) e o capitalismo. A exploração tem uma origem histórica e se produz quando o desenvolvimento das forças produtivas alcançam um grau de desenvolvimento suficiente para que alguns se liberem da carga de trabalho a custo do trabalho de outro.

Ao contrário do que diz o senso comum, a desigualdade social não é fruto de uma natureza "egoísta" ou "maldosa" do ser humano, ou que sempre existiram e sempre existirá pobres e ricos, mas que essas relações são frutos de períodos históricos específicos.

As classes dominantes também precisou criar teorias que pudesse justificar e naturalizar sua exploração. Ocultando seu caráter histórico, querem ocultar que a exploração nem sempre existiu e da mesma forma não há nada na história que diga que precise existir para sempre, o que Karl Marx nos mostra é o contrário.

A exploração capitalista

No modo de produção capitalista, a riqueza social se apresenta como uma enorme coleção de mercadoria, como assinala Marx [3]. Nesse modo de produção a mercadoria não tem como objetivo o consumo individual direto, ao contrário sua produção tem como objetivo a sua troca no mercado.

O desenvolvimento dos mercados e das trocas entre as mercadorias, trás consigo a crescente especialização dos produtores da mercadoria. A concretização do produto do trabalho não está em seu consumo, mas sim em sua venda no mercado. Ninguém produz diretamente todos os meios para sua própria subsistência, mas participa do processo de produção de uma mercadoria ou de parte dela para se conseguir dinheiro para comprar outras mercadorias necessárias a sobrevivência de cada um.

Como diz Mandel: "normalmente, todo produto do trabalho humano deve ter alguma utilidade, deve poder satisfazer uma necessidade humana. Se dirá então que todo produto do trabalho humano possui um valor de uso " [4].

Para se conseguir algo é necessário ter algo para vender em troca. Sendo assim, para se vender alguma mercadoria ela tem que ter necessariamente uma utilidade para quem está comprando. Contudo, o que possibilita que uma mercadoria seja trocada no mercado e em que quantidade é seu valor de troca, o segundo caráter da mercadoria ao lado do valor de uso.

O valor de troca determina em que quantidade se pode trocar determinado produto do trabalho por qualquer outro tipo de produto do trabalho social, que também é uma mercadoria. O que faz de um valor de uso uma mercadoria é o fato de poder ser trocada no mercado e o que lhe confere essa qualidade é o atributo de ter valor de troca.

Ao mesmo tempo, o que faz com que diferentes mercadorias também fruto de diferentes qualidades e quantidades poderem ser trocadas no mercado é o fato de elas terem em si um elemento em comum: o trabalho. O trabalho é a substância social comum a todas as mercadorias.

Essa foi a grande descoberta da Economia Política e esse mérito não é de Marx, senão de Adam Smith que ao criticar os Fisiocratas (corrente econômica e filosófica que atribuía o valor e a riqueza de nossa sociedade à terra) primeiro disse que o valor em nossa sociedade vem do trabalho.

Contudo, se dissemos que o valor de uma mercadoria é dado pelo trabalho contido nela não estamos falando de qualquer trabalho particular. Trabalhamos aqui com o trabalho socialmente necessário para a produção de determinada mercadoria. Um média entre o trabalho gasto para a produção de determinada mercadoria na sociedade. Não qualquer quantidade de trabalho para a produção de uma mercadoria, mas o tempo médio segundo o desenvolvimento alcançado pelas forças produtivas que a sociedade assume como necessário para a produção de determinada mercadoria.

A exploração da força de trabalho e a mais-valia

Como dissemos anteriormente, a exploração nasce da luta para a apropriação do trabalho alheio por meio da força fundamentalmente. No sistema capitalista dividida em burguesia e proletariado, fundamentalmente, a primeira classe citada se apropria do excedente produzido pela segunda. Como isso ocorre?

Diferentemente de outros modos de produção, o capitalismo consegue manter a exploração do trabalho na forma mais transparente possível. Vejamos como:
Na sociedade capitalista, Marx define o Capital como o valor em processo de valorização, o valor que busca aumentar incessantemente, ou seja, a crescente expropriação do excedente social produzido pelo conjunto dos trabalhadores. Para isso, o capitalista precisa comprar insumos, maquinários e força de trabalho (a contratação de trabalhadores por determinada quantidade de tempo) que o capitalista faz sem problemas fruto de uma massa de homens e mulheres que só podem subsistir vendendo parte de seu tempo para o enriquecimento de outra classe, mostrando que as situações de desemprego não são de culpa individual, mas do próprio funcionamento da economia capitalista.

Marx critica a economia política vulgar que diz que cada fator de produção contribui com uma parcela para a produção de valor, algo recorrente até os dias atuais para justificar a exploração da burguesia sobre os trabalhadores.
Usemos um exemplo para simplificar a questão.

Suponhamos uma fábrica de biscoitos em que determinado capitalista utiliza R$ 3.000.000 por ano em maquinário, os insumos que no caso incluem farinha, manteiga e açúcar compõem um custo de R$ 10.000.000 anuais e que contrata 30 trabalhadores por R$ 15.000 mensais (R$ 6.000.000 por ano). Sua produção por ano se resume em 900.000 pacotes de biscoitos por ano. Como busca o lucro, um valor superior ao gasto, ele vende sua mercadoria obtendo R$ 25.000.000 por ano. Ou seja, um lucro de R$ 6.000.000 por ano.

Se o valor tem origem no trabalho, de onde vem o lucro de R$ 6.000.000 desse capitalista? De certo não caiu do céu, mas é fruto do trabalho. Do trabalho de quem? De seus 30 trabalhadores, que durante sua jornada de trabalho produziram um valor excedente, uma vez que não tomaram posse de sua produção, mas antes foi apropriada pelos capitalistas.

No exemplo acima, o trabalhador em uma jornada de 8 horas, precisa trabalhar 4 para pagar o que o capitalista gasta em salários Um exemplo em que a produtividade do trabalho é baixa.

Nos dias atuais, em uma fábrica, cada trabalhador sabe quanto tem que produzir em um dia para pagar seu próprio salário. Uma fábrica da Pirelli em Campinas produz em torno de 34 mil Pneus por dia, segundo matéria de 2016. Segundo estimativas essa fábrica possui 1800 funcionários. Ou seja, cada funcionário produz em torno de 19 pneus por dia, um número que certamente é maior pois os 1800 consideram o setor administrativo e financeiro. Ainda assim, se cada trabalhador produzir 19 pneus por dia e cada pneu for vendido a R$ 200 (um valor médio, que pode ser muito mais alto dependendo do modelo) e considerarmos que ele ganha um salário mínimo (R$ 1045) ele precisa produzir apenas 5 pneus para pagar integralmente o seu salário do mês! Se em 8 horas de jornada ele produz 19 pneus, com apenas 2 horas de trabalho ele paga ao capitalista o equivalente ao que recebe durante todo o mês!!!

O mérito do sistema capitalista de esconder tão bem a relação de exploração é que o trabalhador assume que o valor que recebe no começo de cada mês, corresponde a todo seu trabalho. Contudo, o que ele recebe corresponde somente a venda da sua força de trabalho, o valor de sua força de trabalho corresponde ao necessário para sua própria sobrevivência.. Uma vez que seu trabalho produziu muito mais de que seu salário. Essa "pequena" diferença entre trabalho e força de trabalho encerra todo o segredo do processo de valorização do capital.

A esse trabalho excedente expropriado do trabalhador, chamamos de mais-valia.

Afinal, quem são então os parasitas em nossa sociedade?

Paulo Guedes ligado ao mercado financeiro e banqueiro desde sempre, chamou funcionários públicos de "parasitas" pois eles estariam sugando recursos do Estado. Na verdade o que pretende com suas reformas, como a da previdência e a administrativa é aumentar cada vez mais a diferença paga ao trabalhador e a parte expropriada pelo capitalista.
Porque faria isso?

Marx já nos alertava no Manifesto Comunista como o Estado é o balcão de negócios da burguesia. É a legitimação política da dominação de um punhado de capitalistas que governam em seu prol.

Jornadas de trabalho de 12 horas ou mais, contratos cada vez mais flexibilizados, nenhum direito trabalhista. No país dos empreendedores de si mesmo, dos ubers, rappis, ifood entre tantos outras plataformas, o objetivo é aumentar cada vez mais o valor extraído de cada trabalhador individual. Paulo Guedes representa todos esses interesses.

Representa também os interesses dos grandes capitalistas internacionais que na fase imperialista do capitalismo, necessitam explorar a mão de obra mundial e não somente nacional. Precisam expandir a valorização do capital para além da fronteira de seus próprios países.

Enquanto Paulo Guedes chama servidores de "parasitas" ele próprio recebe mais de R$ 8 mil reais apenas em benefício de aluguel. Será mesmo que o ministro, que antes era um grande banqueiro, precisa mesmo de auxílio aluguel? Qual auxílio recebe os mais de 11 milhões de desempregados no país? Recebem auxílio aluguel o crescente número de moradores nas grandes cidades pelo mundo? Quem é o parasita e quem é hospedeiro em nossa sociedade?

Paulo Guedes em sua palestra não falava ao léu. Falava para uma platéia cheia de diferentes representantes da burguesia, entre financistas, industriais, latifundiários que inclusive segundo as próprias mídias só esboçaram reações positivas ao chamar trabalhadores de "parasitas".

A palestra de Paulo Guedes tinha como objetivo lançar o Plano Mansueto. Que prevê novas regras para que as unidades da federação garantam de pagarem religiosamente a dívida pública. Uma dívida que também tem uma história (assunto para outro texto) e que beneficia os grandes investidores internacionais. Entre as medidas para as unidades da federação que não conseguirem pagar sua parte para a União, prevê privatização de mais estatais, congelamento de salários e suspensão de concursos públicos. Aqui vemos claramente a atuação do Estado, na constante luta entre Capital e Trabalho.

O ódio aos pobres, neoliberalismo e superexploração do trabalho

Além de chamar os trabalhadores de parasita, Paulo Guedes ao comentar sobre os possíveis benefícios do dólar alto disse que "antes até empregada doméstica ia para Disneylandia, agora acabou a festa". Paulo Guedes tem ódio dos pobres e não aceita as mínimas concessões mesmo ainda dentro do capitalismo. Mas ainda assim, ele é mais um representante radical da burguesia. Também na platéia que proferiu seu ódio aos pobres, diferentes empresários correram logo para justificá-lo.

O capitalismo é um sistema de crises em que a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção não podem durar para sempre de forma estática. Incessantes crises de superprodução ou o contrário, demonstram a inevitabilidade de quebra desse sistema. A cada quebra, ou seja, a cada crise que afeta os lucros dos grandes capitalistas, a resposta óbvia dos capitalistas é aumentar o valor extraído de cada trabalhador. Por isso a importância dada a cada reforma da previdência e reforma trabalhista feita não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro.

O capitalismo e sua teoria atual, o neoliberalismo, estão em crise desde 2008. A solução encontrada pelos capitalistas é o aumento e o reforço da exploração do trabalho. Muitas vezes utilizando formas de exploração que julgamos pertencentes a outras épocas, como o aumento de casos de situações de trabalho análogas a escravidão.

Em seu discurso dizem que os trabalhadores são livres e iguais. Incentivam a concorrência, promovem novas categorias de trabalho e o subcontrato. Mas onde dizem residir a força dos trabalhadores é na verdade a sua maior fraqueza.
Atomizados os trabalhadores não podem ser nada. Uma vez que não são explorados somente individualmente, mas seu trabalho social é expropriado de conjunto. Sua força reside no contrário, na cooperação. Na organização consciente de sua exploração para lutar pelo seu fim.

Para isso tomemos como exemplo as lutas atuais na França, recentemente no Chile e no Brasil, como a greve dos petroleiros, para derrotar os planos de Bolsonaro e Paulo Guedes que visam a super exploração do trabalho.

Nos inspiremos nos grandes processos de transformação como a Revolução Russa de 1917, que somente por acabar com o lucro dos capitalistas e destinar o trabalho humano para o desenvolvimento social causou um grande avanço em um país anos antes semi feudal.


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FOOTNOTES

[1Mandel, Ernest. Introdução à teoria econômica marxista. In: Gonzalez, Juan; Mercatante, Esteban. Para entender la explotación capitalista. Edições IPS. Buenos Aires, 2018. p. 12.

[2Ibid., p. 13.

[3Karl Marx, O Capital. Boitempo. 2013. p. 113.

[4op. cit. p. 54.

Matheus Correia

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