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Federico Garcia Lorca: o poeta dos que nada tem

No dia 18 de agosto completaram-se 80 anos do fuzilamento do escritor mais influente e popular da literatura espanhola do século XX

segunda-feira 22 de agosto de 2016 | Edição do dia

A Espanha dos anos 30 concentrou o olhar, a atenção e a esperança dos explorados e oprimidos do mundo. Aquela Espanha convulsionada e revolucionária, foi a que viu cair sob balas franquistas o grande artista andaluz, Federico García Lorca. Ocorreu exatamente há 80 anos, na madrugada do 18 de agosto de 1936.

Um mês antes havia começado a guerra e a revolução na Espanha. A Catalunha operária e camponesa se levantava em armas para frear o avanço do General Francisco Franco que encabeçava o levantamento nacional contrarrevolucionário desde o Marrocos. Atrás de Franco se alentavam os interesses das aterrorizadas classes dominantes; da Espanha burguesa, latifundiária, monárquica, clerical.

Os restos de Federico García Lorca ninguém sabe onde está. Em setembro próximo, no município de Alfacar, se retomará a busca. A ideia é encontrar a fossa comum onde se crê que o corpo de García Lorca foi parar, após ser fuzilado junto ao maestro Dióscoro Galindo e os anarquistas Francisco Galadí Melgar e Joaquín Arcollas Cabezas.

Como parte das homenagens de uma das grandes revoluções do século XX, abordamos parte da vida e da obra do imponente poeta e dramaturgo, universal como Cervantes, o artista que tomou partido “pelos que nada tem”.

O teatro e a experiência do La Barraca

No 14 de abril de 1936 fazia sua última apresentação em Barcelona, o grupo universitário de Teatro La Barraca, fundado por Federico García Lorca no começo da Segunda República, e o qual era dirigido junto ao escritor, cenógrafo, roteirista e diretor de cinema, o basco Eduardo Ugarte.

La Barraca foi uma companhia teatral ambulante que saiu a percorrer os povoados. Surgiu no começo de 1932 e esteve integrada por jovens vinculados a Residência de Estudantes de Madri e herdeiros da Instituição Livre de Ensino. O objetivo era representar e difundir o esquecido grande repertório clássico do Teatro Espanhol entro os operários e camponeses.

A ideia de um teatro ambulante universitário, segundo o biógrafo Ian Gibson em seu livro “Federico García Lorca. Vida, paixão e morte”, nasce entre os estudantes da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Madri. Propuseram a García Lorca ser o diretor artístico e este aceita, com o apoio da Federação Universitária Escolar.

O catedrático Fernando de los Ríos, Ministro da Instrução Pública e Belas Artes do governo da Segunda República e amigo pessoal de Lorca, garantiu o apoio do governo que por então impulsionava as chamadas missões pedagógicas.

García Lorca opinava que a batalha mais importante que teria que lutar a República concernia no ensino primário e secundário dominado desde há séculos pela Igreja. Nesse marco, Lorca e os jovens de La Barraca, em sua batalha cultural, estavam convencidos de que o burguês estava terminando com o dramático do teatro. Lorca injetava um forte conteúdo social a sua obra, manifestando-se sempre em prol dos direitos do indivíduo, da liberdade, da dignidade humana, lutando contra os convencionalismos sociais.

Nesse sentido, não se pode deixar de destacar sua luta pela livre escolha sexual. García Lorca também deixou três textos onde deixava explicito sua homossexualidade, reivindicando o direito de amar livremente, que foram publicados na Espanha muito tempo depois da morte do autor, como por exemplo “Oda a Walt Whitman”, “La obra de teatro del público”, e “Los sonetos del amor oscuro”. Desde sua criação até a interrupção, com o começo da Guerra Civil Espanhola, La Barraca representou um total de 13 obras de teatro em 74 localidades. Por esses cenários passaram obras clássicas e variadas como “Entremeses” de Cervantes, “La vida es sueño” de Lope Veja; entre outras.

Em uma entrevista no diário madrilenho El Sol, o poeta expressa claramente sua posição: “Eu sempre fui e serei partidário dos pobres dos que não tem nada. E esta tranquilidade de nada lhes nega”. Pois não deixa dúvidas sobre seu compromisso social e arremete contra o teatro comercial. Luta pela renovação da cena nacional e opina que “o grave é que as pessoas que vão ao teatro, não querem que os faça pensar sobre nenhum tema moral”.

O poeta está convencido de que as obras dramáticas da qualidade e bem montadas, chegam sempre as pessoas sensíveis. Ian Gibson, conta que quando “os jovens de La Barraca chegavam aos povoados, as caras camponesas em sorriso, em extasse, sobretudo em expectativa, temendo e desejando o que ao instante seguinte sucederia no tablado. E de pronto a expectativa se descarregava na explosão do riso e do aplauso”.

Uns poucos metros de película sobreviveram aos estragos da Guerra Civil e o franquismo. São os que mostram a La Barraca em ação. Entre essas imagens que compartilhamos a continuação de Gonzalo Menéndez Pidal, se pode ver o próprio García Lorca atuando na obra “La vida es sueño” de Calderón de la Barca. O poeta aparece representando a Sombra, quer dizer a morte, envolto nos véus negros que lhe cobrem o rosto, movendo-se fantasmagoricamente pelo cenário.

Trilogia?

Em 8 de março de 1933 Lorca estreia “Bodas de Sangue”, com a que inaugura o que se chama suas obras rurais. Ele fala de uma trilogia composta por “Bodas de Sangue”, “Yerma” (1934) e uma terceira tragédia não concluída: “A destruição de Sodoma”. No entanto, estas três obras, não tem entre si uma conexão temática muito evidente. É que esta terceira tragédia, com seu marco bíblico, nem sequer tem uma ambientação afim com as dos anteriores andaluzia.

Alguns críticos consideram a “La Casa de Bernarda Alba” como a terceira obra desta suposta trilogia que teria como denominador comum, o marco rural andaluz. Talvez não se equivoquem, porém pesa ao mesmo âmbito, a confirmação teatral desta obra parece distinta das anteriores. A “Bodas de Sangue” e “Yerma”, o autor chama drama. Nas duas primeiras entende o desenvolvimento mais como um espetáculo. No entanto que nessa última, se auto impõe um teatro mais “realista”.

A Casa de Bernada Alba

Entre a vasta obra de Lorca que não podemos dar conta nessa nota, elegemos falar de La casa de Bernada Alba; a última antes de seu assassinato. Termina de escrevê-la em 19 de junho de 1936 e a define como um documento fotográfico, representando uma “crônica verídica, com ilustrações em branco e negro, da Espanha intolerante e autoritária sempre disposta a esmagar os impulsos vitais do povo, representado na obra não só pelas filhas de Bernada, senão também pelas criadas” (I. Gibson). “Os pobres são como animais. Parece como se tivessem sido feitos com outras substancias”, sentencia visceralmente o inquisidor e tirano personagem de Bernada Alba.

Adolfo Salazar, amigo de Lorca que participou na leitura da obra já concluída, conta que cada vez que terminava uma cena aparecia entusiasmado exclamando: “Nenhuma gota de poesia! Realidade! Realismo puro!”.

Gibson disse que “não pode ser casualidade que Lorca concebera uma obra sobre a tirania em momentos que havia na Espanha o perigo de um golpe de Estado facista. Bernada, com sua hipocrisia, seu catolicismo inquisitorial e sua vontade de suprimir os direitos dos demais, expressa uma mentalidade que o poeta conhece muito bem.

O subtítulo da obra é “Drama das mulheres nos povoados da Espanha” e a história se desenvolve em “um povoado andaluz de terra seca”. Embora Lorca não fez explícito, se inspira em Asquerosa (hoje Valderubio), o segundo povoado onde viveu com sua família em lá Veja de Granada.

Em uma entrevista de 7 de abril de 1933 do diário La Voz, Lorca sustenta que em momentos tão críticos como os que vivia a Espanha, o teatro tem o dever de afrontar os problemas sociais. A noção da arte pela arte já resulta insustentável. E com respeito a sua última obra (“La Casa...”), assinalava: “Agora estou trabalhando em uma nova comedia. Já não será como as anteriores. Agora é uma obra em que não posso escrever nada, nenhuma linha, porque eles tem desencadeado e andam pelos ares a verdade e a mentira, a fome e a poesia. Se me tem escapado das páginas. Enquanto há desequilíbrio econômico, o mundo não pensa. Já o tenho visto. Dois homens vão pela beira de um rio. Um é rico, outro é pobre. Um leva a barriga cheia, e o outro recebe ar sujo com seus bocejos. E o rico disse: Oh, que barco mais lindo se vê pela água! Olhe vocês, o lírio que floresce na beira. E o pobre reza: tenho fome, não vejo nada. Tenho fome, muita fome. Natural. O dia que a fome desapareça, vai produzir-se no mundo a maior explosão espiritual que jamais conheceu a humanidade. Nunca jamais se poderão figurar os homens da alegria que estalará no grande dia da Grande Revolução. Verdade que estou falando em socialista puro?”

A tragédia de Lorca

A tragédia como gênero teatral leva a um inevitável destino fatal. Nosso protagonista estava predestinado a ser assassinado? Seu final deveria ser irremediavelmente triste? É impossível afirmar post factum que sua morte era evitável se a classe operária espanhola houvesse tido outra direção e sua revolução houvesse triunfado.

García Lorca deposito suas esperanças de transformação na Segunda República primeiro e na Frente Popular depois, a coalizão conformada pelo Partido Comunista e o Partido Socialista (PSOE) que se unem a um setor minoritário dos burgueses republicanos. As direções das principais organizações operárias sustentavam uma estratégia de colaboração de classes.

Em 16 de agosto de 36 Federico García Lorca é detido pelos falangistas que haviam tomado Granada. O poeta havia voltado dessa cidade crescendo que estaria mais seguro que em Madri.

Na noite de 17 a 18 de agosto, tiram Lorca para fora do Governo Civil algemado e o levam a um cárcere prisional dos falangistas em Víznar. Essa mesma madrugada o fuzilaram. Foi no lugar hoje ocupado pelo Parque que leva seu nome.

Segundo Ian Gibson: “Perto do local onde mataram a Federico García Lorca se encontra a célebre Fuente Grande. Os árabes granadinos, intrigados pelas bolhas que subiam sem parar a sua superfície, a chamaram Ainadamar, “A Fonte das Lágrimas”. Não deixa de ser emocionante que a Fonte das Lágrimas, siga mantendo, todavia, suas bolhas de hortelã do lugar onde os fascistas mataram ao mais excelso poeta granadino de todos os tempos”.

A noite que o assassinaram, um jovem amigo de Lorca, Ricardo Rodríguez Jiménez, o viu quando saí do Governo Civil, algemado. E recorda: “Aquela madrugada saí do comissariado as três e vinte cinco, por aí e me encontrei com que de pronto me chamam por cima. Me volto Federico! Ele me jogou um braço em cima... Mas aonde vai, Federico? Não sei. Saía do Governo Civil. Saía com guardas e falangistas da ‘Escola Negra”... a mim me puseram o fusil no peito. E eu gritei: Criminosos! Vais matar a um gênio! A um gênio! Criminosos!’”.

Tradução: Odete Cristina




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