×

Opinião sobre Argentina | Em apenas dez dias, começou a resistência contra o plano de guerra de Milei e Bullrich

“Passaram-se apenas alguns dias desde que foi empossado o governo de La Libertad Avanza, um mandato que visa avançar de forma autoritária e brutal contra as grandes maiorias através de “Decretos de Necessidade e Urgência” e de repressão. Mas nesta quarta-feira (20) milhares de pessoas se levantaram e marcharam com grande moral até a Plaza de Mayo desafiando uma tentativa de quase estado de sítio que não conseguiu impedir a mobilização. É o primeiro passo para que, em poucos meses, sejamos milhões. É preciso apostar na coordenação entre diferentes setores sociais, e exigir que os sindicatos convoquem uma paralisação nacional e um plano de luta, na perspectiva da greve geral contra o novo ajuste”.

Fernando ScolnikBuenos Aires | @FernandoScolnik

quinta-feira 21 de dezembro de 2023 | Edição do dia

Segue abaixo a opinião de Fernando Scolnik, Sociólogo e militante do Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) na Argentina, sobre o dia de mobilizações no país nesta quarta-feira, publicada originalmente aqui.

***

Embora pareça mais tempo, o Governo de Javier Milei (La Libertad Avanza) tomou posse há apenas dez dias. Nesta altura, juntamente com os seus ministros – como Patricia Bullrich e Luis Caputo – anunciou um plano de ajuste econômico brutal: a desvalorização monetária mais forte dos últimos 20 anos, um forte ajuste fiscal, aumento de tarifas de serviços públicos e demissões.

Na quarta-feira à noite espera-se que falem em rede nacional para comunicar o “mega Decreto de Necessidade e Urgência” com o qual comunicarão novas medidas para desregulamentar a economia e atacar os direitos laborais. São todas decisões que afetam a vida da grande maioria através de um “choque” econômico, sem sequer passar pelo Congresso Nacional. Javier Milei pretende governar como um monarca que busca concentrar a soma do poder público, aplicando também uma fraude eleitoral: com um decreto, quer ajustar o povo trabalhador, quando havia dito que quem ia pagar era a casta. A raiva aos poucos começa a ser sentida nas ruas, com a inflação que disparou na última reta de Massa [ex-ministro da economia de Fernandez] e ainda mais nos últimos dias. Espera-se que dezembro termine com uma inflação próxima de 30%. É mais uma enorme transferência de rendimentos dos trabalhadores para o capital financeiro internacional e para os grandes exportadores.

Esta combinação econômica é complementada por outros ataques à liberdade. Depois do anúncio do “protocolo anti-piquetes” - desde a ditadura de Juan Carlos Onganía, ninguém tinha colocado por escrito uma proibição expressa de protestos de rua desta natureza -, assistimos nesta quarta-feira a verdadeiras cenas típicas de um governo que tenta intimidar com uma espécie de estado de sítio: uso do poder do Estado para ameaçar e chantagear através de alto-falantes de propaganda em estações de trem buscando aterrorizar com a retirada de planos sociais àqueles que forem às ruas manifestar; operações com policiais filmando em ônibus; atuação de forças federais repressivas no território da Cidade de Buenos Aires; prisões no centro da capital; e até ataques da polícia a um deputado nacional como Nicolás del Caño. Como Myriam Bregman salientou na sua conta no Twitter, eles estão incomodados com a liberdade de expressão, manifestação e reunião. E complementemos: Bullrich – como vimos na quarentena – aceita algumas manifestações e outras não.

No entanto, como disse o general prussiano Karl Von Clausewitz, a guerra começa quando os agredidos respondem. Foi precisamente isso que aconteceu nesta quarta-feira. Desde os dias anteriores percebeu-se que a brutalidade de Milei não avançaria sem respostas. Uma importante audiência no Congresso Nacional convocada pela Frente de Esquerda reuniu nesta terça-feira um amplo conjunto de personalidades e organizações para rejeitar o protocolo de Bullrich. Entre eles estavam referências importantes como Nora Cortiñas e Adolfo Pérez Esquivel.

A temperatura seguia a mesma desde a manhã desta quarta-feira: meios de comunicação como o canal de televisão TN foram buscar depoimentos contra o protesto social, mas o tiro saiu pela culatra. São milhões de pessoas que começam a sentir que os bastões da repressão não são alheios, mas estão diretamente ligados à intenção de gerar miséria planejada: destruir salários, condições de trabalho e aumentar o desemprego em poucos meses.

À tarde sentiu-se nas ruas: foram milhares que desafiaram as ameaças, a intimidação e a repressão e ganharam a Praça de Maio e outros pontos do país, depois de terem preparado o dia em reuniões entre dezenas de organizações sociais e políticas, sindicatos, de direitos humanos e estudantis. Sua importância é grande: foi um primeiro passo, mas se constituiu como um verdadeiro desafio à tentativa de impor um quase estado de sítio e um enorme ajuste, que o governo combinou com a chantagem a todos aqueles que recebem planos sociais ("quem corta rua, não recebe"). Contra a bravata do novo governo, abre-se a perspectiva de que dentro de alguns meses estaremos muito mais nas ruas. O que aconteceria se fôssemos milhões? Nenhuma das ostentações de Bullrich se tornaria realidade.

A esquerda preparou a mobilização demonstrando também que o slogan de Milei de que “não há dinheiro” é chantagem: escondem que o capital financeiro internacional, os bancos, as empresas alimentícias que lucram todos os dias, as mineradoras ou os grandes empregadores do campo embolsam fortunas. Devemos passar a motosserra neles e não nos setores populares.

O ato na Plaza de Mayo, que aconteceu depois de superar a enorme operação de segurança e que contou com presenças muito importantes como Nora Cortiñas, foi uma grande tribuna para colocar uma proposta de como continuar a luta. “Abaixo o plano de ajustes de Milei e do FMI, não ao protocolo Bullrich!” foi o título do documento unitário assinado por diversas organizações.

Nessa perspectiva, está colocado redobrar a agitação política para denunciar e desmascarar este Governo, mas também apostar fortemente na organização. Ao contrário do que fazem muitos líderes de burocracias sindicais e organizações sociais, a esquerda e a ampla gama de organizações que marcharam hoje traçaram um rumo. Enquanto a burocracia da CGT “dá um tempo” ao governo que nos arruína todos os dias (e vem de não realizar nenhuma paralisação geral contra o governo de Alberto Fernández), há dirigentes da CTA que denunciaram a situação mas não convocaram as suas organizações a colocarem o seu peso no ato, que foi uma grande queda de braço política e de luta transmitida em todos os canais de televisão de rede nacional. Já a esquerda, e diante dos olhos de todo o país, propôs lutar desde o início para defender o direito a protestar, essencial para o que está por vir.

A classe trabalhadora juntamente com as suas famílias, a juventude combativa e o movimento de mulheres constituem a maioria da população. Devemos apoiar cada luta contra a resistência, avançar na coordenação e lutar para que os sindicatos se juntem à luta com uma paralisação nacional e um plano de luta, na perspectiva de preparar a greve geral para colocar toda essa força em jogo até derrotar este novo ataque e impor uma solução a favor das grandes maiorias.

Como afirma o documentolido na Praça de Maio: “Que a crise seja paga por quem a gerou: os banqueiros, as multinacionais e os grandes capitalistas, não os trabalhadores e o povo. Não ao pagamento da dívida: romper com o FMI! É necessária uma paralisação nacional ativa e um plano para lutar contra este ataque brutal às nossas condições de vida. O caminho é a mais ampla unidade entre os empregados, os desempregados e todos os setores em luta."

[Tradução: Lina Hamdan]




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias