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Apresentou-se em Buenos Aires Economia Feminista, de Mercedes D’Alessandro. Estereótipos culturais, discriminação laboral, trabalho doméstico não remunerado, de onde sai a desigualdade?

Celeste MurilloArgentina | @rompe_teclas

segunda-feira 12 de dezembro de 2016 | Edição do dia

Publicado por Sudamericana, Economia feminista. Como construir uma sociedade igualitária (sem perder o glamour), chegou às livrarias argentinas em 1º de dezembro. Como parte do trabalho do blog Economía Femini(s)Ta, Mercedes D’Alessandro recorre em suas páginas os recônditos da desigualdades de gênero, que afeta nada menos que a metade do mundo.

Já desde suas primeiras linhas choca-se com o sentido comum de que como “as mulheres avançaram muito” não havia de que queixar-se, que existe discriminação e que a maioria de nós mulheres somos cidadãos de segunda. É certo, a vida das mulheres mudou enormemente, graças a mobilização das mulheres (ainda que soe redundante), porém nunca é demais recordar que recém se completou um século desde que as primeiras mulheres votaram (em nosso país no entanto faltam 20 anos para esse aniversário), e a discriminação econômica, laboral e profissional está vigente. Ainda que não existem leis que “permitam” discriminar por gênero, as mulheres recebem salários menores, ocupam os piores postos de trabalhos e estão sobre representadas entre os precarizados e os pobres.

Disso se trata Economia feminista, de colocar dados esse exemplos da desigualdade, debater estereótipos e prejuízos que acompanham a brecha salarial ou a presença ainda minoritária das mulheres em muitos âmbitos, que ainda parecem reservados aos homens. Longe de textos acadêmicos, Economia feminista convida o público não economista a festa de um momento em que as mulheres recuperam as ruas.

A jornalista do suplemento Las 12 do diário Página12 Luciana Peker dizia na apresentação na Legislatura de Buenos Aires que o livro e sua autora eram produto do movimento de mulheres, indiscutivelmente protagonista na Argentina, seus debates e suas demandas. E, com razão, agregava que a urgência da luta contra a violência machista e a necessidade de vida ou morte do direito ao aborto legal, as vezes não deixa tempo para discutir outros problemas que afetam as mulheres, como a sobre representação feminina no desemprego que golpeia com mais dureza as jovens.

Desde a brecha salarial até o “teto de cristal” (com paredes incluídas), passando pelo trabalho não remunerado, o livro oferece não só cifras (que muitas vezes são cuidadosamente esquecidas) mas se mete no debate sobre os motivos dessa desigualdade. Desde o (literalmente) inexplicável da brecha até os estereótipos que dão o brilho de amor ao trabalho doméstico, a medida que passam as páginas, leitoras e leitores atentos descobrem algo dessa relação tão funcional, e por isso tão duradoura, entre patriarcado e capitalismo.

Em uma disciplina como a economia, que só está no centro do debate sobre a desigualdade no capitalismo, é notória a pouco (ainda que crescente) atenção que merecem os problemas de metade da população do mundo, mas em um sistema social que se beneficia da submissão dessa porção da população. Uma desatenção que sinaliza a própria autora especialmente com respeito às correntes críticas (ainda que, se Frederico Engels tivesse um Twitter já estaria pedindo direito de réplica e seguramente ganharia mais de um retweet).

O poder não derrama igualdade

Assim o assinala, corretamente, uma das páginas de Economia feminista. “O poder não derrama as políticas que apontam a igualdade de gênero ou acesso das mulheres aos distintos espaços políticos tampouco aparecem magicamente”. A esta afirmação, que compartilhamos, os parlamentos, organismos internacionais, e incluindo as cúpulas da burocracia sindical, tem sido terreno estéril para a igualdade que deseja as mulheres.

As políticas que respondem, de forma lenta, tardia e insuficiente, a desigualdade e a discriminação falam mais do potencial de mobilização das mulheres que da boa vontade ou das intenções de mulheres poderosas ou “feministros”, em palavras de D’Alessandro. O gênero não é garantia de políticas progressivas (conforme nós sabemos), nem de que as mulheres apoiem a sua plataforma (perguntem a Hillary Clinton), no entanto tão pouco a presença de mulheres nos parlamentos e nos ministérios é garantia da implementação de políticas que resolvam, ainda que seja parcialmente, seus problemas ou demandas.

Todas as leis, medidas e conquistas se conseguirão sempre fora das instituições, embora seus resultados pareçam surgir dentro de suas paredes. Foi o caso das irlandesas e sua “longa sexta-feira”, que pôs sobre a mesa a participação das mulheres na vida econômica, ou das estadunidenses que conquistaram o direito ao aborto e de decidir quando ser mães (embora carregando até hoje o peso de afrontar a maternidade em meio ao trabalho sem licença paga nem direitos) ou o das polonesas para frear a proibição reacionária do direito ao aborto. É o caso também da enorme visibilidade que tem recebido o movimento de mulheres na Argentina com a consigna #NiUnaMenos, além da resposta insuficiente ou quase nula do governo de Maurício Macri.

Quando a má saúde da economia capitalista empurra as mulheres a receber o impacto dos cortes na saúde, educação e cuidados, em suas famílias, ao regresso de empregos precários e mal pagos, os debates que recorre Economia feminista são os necessários para um movimento de mulheres que tem demonstrado um potencial de mobilização arrebatadora porém, a sua vez, se enfrenta com a necessidade cada vez mais urgente de uma estratégia política.

A agitação nas ruas das mulheres (como resposta em continuidade as consequências sociais da crise econômica ou antecipa novos ares?) que sobrevoa vários países volta a abrir velhos debates no feminismo e mede as estratégias para terminar com a opressão. Com grande parte do feminismo recluso as agendas oficiais, e reduzido a “livre eleição” de como viver a vida, longe da transformação social, voltam as ideias das greves, das paralisações e das mobilizações como a via para se transformar nossas realidades.

Economia feminista anuncia em sua dianteira que a luta por uma sociedade igualitária pode liberar-se “sem perder o glamour”. Acreditamos que a beleza está nas ruas, como anunciava o famoso grafite do Maio Francês e estamos convencidas de que este é o terreno onde se define o conquistado e se conquista o que falta, porém o movimento necessita de ideias, reflexões e debates como os que se leem em suas páginas, e isso é motivo de sobra para dar-lhe as boas vindas.




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