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Dizer que o pior aconteceu pode guardar as panelas que hoje o dinheiro não deu

Gravada em 1979 em plena ditadura militar a música de Paulinho da Viola descrevia as dificuldades dos trabalhadores brasileiros que sofriam com a carestia de vida.

sexta-feira 29 de junho de 2018 | Edição do dia

Imagem: Romualdo Jr

A sensação é comum, muitos passam por isso, por exemplo quando lemos essa passagem do livro O Programa de Transição de Leon Trotsky: “Nas condições do capitalismo em decomposição, as massas continuam a viver a vida morna de oprimidos que, hoje mais do que nunca, estão ameaçados de serem lançados no abismo da miséria. Elas são obrigadas a defender seu pedaço de pão, mesmo se não podem aumentá-lo ou melhorá-lo. Não há possibilidade nem necessidade de enumerar aqui as diversas reivindicações parciais que surgem, a cada momento, de circunstâncias concretas, nacionais, locais, profissionais. Mas dois males econômicos fundamentais, nos quais se resume o absurdo crescente do sistema capitalista - o desemprego e a carestia da vida -, exigem palavras de ordem e métodos de luta generalizados.” Sentimos que ele está falando dos dias atuais mas o livro data de 1938 quando o mundo passava por uma crise enorme e estava às portas da segunda guerra mundial. Longe de aqui, neste texto, cravar que estamos prestes a uma guerra mundial o caso é que as condições de exploração e opressão dos trabalhadores são parecidas, isto acontece porque as crises no capitalismo são cíclicas e a burguesia sempre despeja sobre as costas dos operários seus efeitos.Mas aqui vamos falar de música e em específico do samba, quando um artista capta as dificuldades do cotidiano e transforma em poesia.

Escrita por Paulinho da Viola, a canção faz parte do álbum Zumbido gravado em apenas um mês (coisa de gênio), quando perguntado sobre a construção do disco Paulinho diz que só tinha uma música pronta antes de pisar no estúdio e o restante foi escrevendo em casa ou surgiam no ambiente gerado pela companhia dos músicos no estúdio, seguindo a receita de escrever em um dia fazer os arranjos no outro e depois gravar. O disco não foi pensando de antemão, não havia uma planificação de trabalho como os outros do artista e por isso expressou o que mais tocava paulinho no momento, o trabalho foi dedicado a dois grandes sambistas Wilson Batista que ficou conhecido pela polêmica com Noel Rosa e também a Heitor dos Prazeres que também foi exímio pintor.

Escrita nos últimos meses de 1979 a canção retrata de forma fiel a vida de boa parte dos trabalhadores, os militares que estavam no poder pegavam dinheiro emprestado a torto e a direito contraindo uma dívida de bilhões ao longo dos anos e endividando o país com os imperialistas, com o dinheiro em mãos obras faraônicas eram feitas, a situação era perfeita nada poderia ser questionado, já que não tinha liberdade de imprensa e ninguém era votado,o país passou por uma industrialização que aumentou o número de vagas de trabalho nos grandes centros.A vida era dura, cada dia mais peões de diversas partes do país chegam na cidade grande, o número de favelas aumenta e embora exista emprego o ritmo de trabalho é frenético e as condições piores ainda, só para tomar nota em duas oportunidades 74/76 o Brasil conquistou o prêmio de campeão mundial de acidentes de trabalho, foram milhões de pessoas mutiladas ou perderam a vida em busca de levar o sustento para casa e ainda que trabalhassem muito o poder de compra dos operários caia com o arrocho salarial: os mais ricos ficavam mais ricos e os pobres mais pobres.

É para este cenário que o sambista Paulinho da Viola olha e transforma em canção uma pequena parte do cotidiano da vida operária.Já se passaram quase 40 anos que a este samba foi composto e ouvindo-o agora - retomando o início do texto - não parece que tais palavras fazem sentido nos dias de hoje? Vivemos hoje sob ataque aos direitos essenciais,reforma trabalhista,congelamento dos gastos e reforma da previdência para não dizer outros.E assim, como um mês antes de Paulinho pisar no estúdio um policial militar assassinou o líder sindical Santos Dias com um tiro no piquete de greve em frente à fábrica Silvânia, em Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo, hoje, a mais de 100 dias, ninguém foi responsabilizado pelos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

São muitas as semelhanças entre o passado e o presente, por exemplo, a dívida feita pelos militares ainda existe e nós pagamos, dívida que foi feita para explorar ainda mais os trabalhadores e enriquecer a burguesia.De certo podemos tirar duas conclusões rápidas, a primeira, é que um sistema que tira do nosso bolso o dinheiro para pagar uma dívida que não é nossa e que foi feita para explorar ainda mais os trabalhadores tendo como consequência a mutilação e morte de milhares de operários tem que deixar de existir, e a segunda, que temos que aprender com os erros e acertos do passado para construir um futuro comunista onde ninguém tenha que dizer pode guardar as panelas que hoje o dinheiro não deu.

*Abaixo segue uma playlist com 10 sambas que falam sobre o cotidiano da vida dos trabalhadores e também a letra da música.

Da o play e aumenta o som

Pode Guardar As Panelas
Paulinho da Viola

Você sabe que a maré
Não está moleza não
E quem não fica dormindo de touca
Já sabe da situação
Eu sei que dói no coração
Falar do jeito que falei
Dizer que o pior aconteceu
Pode guardar as panelas
Que hoje o dinheiro não deu

Dei pinote adoidado
Pedindo emprestado e ninguém emprestou
Fui no seu Malaquias
Querendo fiado mas ele negou
Meu ordenado apertado, coitado, engraçado
Desapareceu
Fui apelar pro cavalo, joguei na cabeça
Mas ele não deu

Você sabe que a maré
Não está moleza não
E quem não fica dormindo de touca
Já sabe da situação
Eu sei que dói no coração
Falar do jeito que falei
Dizer que o pior aconteceu
Pode guardar as panelas
Que hoje o dinheiro não deu

Para encher a nossa panela, comadre
Eu não sei como vai ser
Já corri ora todo lado
Fiz aquilo que deu pra fazer
Esperar por um milagre
Pra ver se resolve essa situação
Minha fé já balançou
Eu não quero sofrer outra decepção




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