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PESQUISA DATAFOLHA | Depois do Datafolha, o dilúvio: enorme crise de representatividade

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

quarta-feira 31 de janeiro de 2018 | Edição do dia

Quatro receios do regime político vieram à tona com os resultados da primeira pesquisa Datafolha após a condenação arbitrária de Lula pelo TRF-4 (receios já conhecidos e quase esperados): Lula aumenta sua força, estando em primeiro nas intenções de voto no primeiro turno (37%) e vencendo em qualquer cenário do segundo turno; sem Lula nas urnas, os votos brancos e nulos alcançam resultado histórico de mais de 30%; sem Lula, Jair Bolsonaro estaria em primeiro lugar nas pesquisas; por último, todos os políticos favoritos da centro-direita (Alckmin, Huck, Doria) vegetam entre 6% e 10%. É a crise orgânica, estúpido.

As expectativas estavam postas na mesa: após o avanço autoritário do judiciário contra o direito da população votar em quem quiser (inclusive em Lula), expoentes da imprensa oficial, do judiciário e dos empresários esperavam que a candidatura de Lula desidratasse, Bolsonaro perdesse seu argumento anti-Lula e Alckmin – como selecionado tucano para a candidatura unificada dos mercados financeiros – crescesse ou ao menos saísse do estado vegetativo. A agenda "própria" de ataques que o PT vinha aplicando contra a população - e vem prometendo aplicar, como sua própria “reforma da previdência”, segundo Gleisi Hoffman - não obedece exatamente o ritmo de "marchas forçadas" que a burguesia deseja.

Mas o que se viu foi que o julgamento do TRF4 passou praticamente despercebido para efeitos da pesquisa eleitoral; se algo, deu mais força a Lula: é evidente que amplos setores da população vislumbram votar no petista.

Mesmo condenado no TRF4, Lula lidera o primeiro turno em todos os cenários em que seu nome é colocado, com percentuais que variam de 34% a 37%. No segundo turno, venceria Alckmin (49% a 30%) e Marina (47% a 32%), além de Bolsonaro. O reacionário ex-capitão do exército foi golpeado pelas denúncias de enriquecimento ilícito na política, que quebra o discurso de “honestismo” de Bolsonaro: sem Lula, registra 18%. Marina Silva e Ciro Gomes se beneficiam pouco com a saída de Lula, enquanto Alckmin e Luciano Huck, mesmo com Lula fora do páreo, não chegam a 10% das intenções.

O verdadeiro vencedor seria o voto branco/nulo, com quase 32% de intenção de voto, sem Lula nas urnas. Segundo a pesquisa, na migração de eleitores de Lula nessa situação, a maior parcela – 31% deles – vai para brancos e nulos (15% passam a votar em Marina Silva, 14% em Ciro Gomes, 8% em Luciano Huck, 7% em Jair Bolsonaro e 6% em Geraldo Alckmin).

Como escreve Kennedy Alencar, um índice tão grande de nulos e brancos significa "abrir as portas do inferno", e mostra que parcela enorme do eleitorado tende a deslegitimar as eleições de 2018. Em termos marxistas, "além deste portal, o abismo" para as esperanças de estabilidade da burguesia: novas formas de pensar ganharão fôlego, à direita mas também à esquerda.

Favorito para se candidatar à Presidência pelo PSDB, Alckmin vegeta em todos os cenários testados. O governador de São Paulo tem de 6% a 11% das intenções de voto, enquanto faz os professores estaduais passarem fome com desemprego em massa, fruto do fechamento de salas de aula.

Isso tem razão de ser: o que o marxista italiano Antonio Gramsci classificou como crise orgânica é um problema profundo no Brasil. Trata-se de “crises globais” (econômica, política e social) na autoridade estatal, que afetam todo o regime político-partidário, cujas principais representações se veem “separadas” de sua base política tradicional. Os partidos tradicionais “já não são mais reconhecidos como expressão por sua classe ou fração de classe”, dizia Gramsci, dando lugar a uma situação delicada em que “o campo fica aberto a soluções de força”.

Tirar Lula arbitrariamente do páreo eleitoral não é a mesma coisa que resolver a crise de representatividade de um Regime de 88 em frangalhos. Ainda que as alas mais “liquidadoras” dentro do regime da Nova República tenham êxito em expelir o PT – um partido fundamental para a institucionalidade da burguesia desde a década de 1980 – nada indica menor instabilidade na situação.

Pelo contrário, a divisão interburguesa, a insatisfação nas classes médias e a ausência de um novo ciclo de crescimento econômico agravam os elementos de instabilidade. Se acrescentarmos a intenção do governo de seguir ataques draconianos como a reforma da previdência, o caminho está aberto para nova intervenção da classe trabalhadora no cenário nacional. Este é o temor do principal portavoz dos mercados financeiros imperialistas, o Financial Times.

É certo que os resultados do Datafolha terão consequências. Os jornais financeiros diziam que os acionistas “digeriam ainda” a pesquisa; a mesma Folha de S. Paulo qualifica a descoberta da montanha de votos brancos/nulos como “crise da democracia”, com o risco de ser eleito um presidente rejeitado por dois terços do eleitorado, a depender da dupla de candidatos que chegar ao segundo turno. Apesar da reacionária naturalização da intervenção do judiciário na política, há limites em sua capacidade de convencer “sem provas, mas com convicção”: um julgamento farsesco com bases fragilíssimas – que sequer mereceriam atenção em outros países – se refletiu na manutenção da intenção de voto em Lula. Um revés notável para a república da toga.

Não defendemos o projeto político do PT, e o segundo capítulo do golpe institucional – tanto quanto esteve o primeiro – está a serviço de aplicar ataques mais duros do que vinha aplicando Dilma e Lula. Entretanto, damos a batalha política por construir uma alternativa anticapitalista e socialista que supere o PT ao mesmo tempo em que defendemos o direito democrático da população de votar em quem quiser.

As centrais dizem que "se botar pra votar, o Brasil vai parar", dando tempo para que os parlamentares entrem em acordo para votar a reforma da previdência. Fizeram um chamado para um "Dia Nacional de Lutas" no 19/2; participaremos com tudo da jornada, mas com uma política própria: é urgente que as centrais sindicais, a CUT e a CTB, parem de rastejar atrás da agenda parlamentar e organizem já uma greve geral em todo o país, parte de um plano de luta para barrar a reforma da previdência e defender o direito democrático da população de decidir em quem votar.




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