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África | Crise no Sahel: 5 chaves para compreender a crise do imperialismo francês

Os recentes golpes de Estado no Mali, Burkina Faso, Níger e a crise que se desencadeou em torno da embaixada francesa em Niamey confirmam a contestação da França em sua área de influência histórica. Uma situação que exige lutar por uma perspectiva política anti-imperialista e revolucionária.

quarta-feira 13 de setembro de 2023 | Edição do dia
fotos: JeanbaptisteM - Flickr

A atual crise no Níger levanta questões sobre a extensão do declínio internacional da França em sua esfera de influência histórica. As recentes mobilizações em frente à base militar de Niamey demonstram a profunda raiva da população contra a dominação francesa, ao contrário do que a imprensa internacional tenta explicar, retratando-as apenas como militantes ’pró-junta’. Diante de uma época de aceleração das tensões entre grandes potências mundiais, a França está sendo confrontada com sua própria realidade - e febrilidade - podendo ser rebaixada na hierarquia das potências globais. O epicentro dessa crise se concentra particularmente no Sahel, mas poderia se expandir rapidamente para os países do litoral oeste-africano, cujos regimes tradicionalmente mantêm proximidade com o imperialismo francês. Isso se torna um problema ainda maior, uma vez que é a dominação do continente onde a França está sendo mais questionada hoje em dia que sustentava um dos dois pilares de sua influência global (junto com a arma nuclear) desde a Segunda Guerra Mundial. Vamos analisar alguns fatores que explicam esse fenômeno.

Serval, Barkhane: Um fracasso militar retumbante.

Em 2011, a França estava em uma posição ofensiva na África. Ela interveio na Costa do Marfim, militarizou o país, defendeu seus interesses e colocou Alassane Ouattara como seu novo peão local com o apoio de uma parte das elites dominantes marfinenses. O aumento da luta de classes, especialmente na Líbia, colocou a França na linha de frente da OTAN para evitar a desestabilização de seus interesses no país. Ela buscou cooptar parte da resistência líbia, mesmo que isso significasse derrubar o governo de Kadhafi para obter vantagens econômicas na Líbia e estabilizar seus interesses de segurança na zona do Mediterrâneo. Ao contrário do discurso convencional sobre o papel da França na África, isso não se explica apenas por razões econômicas e exploração de recursos: a França vê em sua esfera de influência a defesa de sua posição como grande potência mundial, agindo como polícia pronta para suprimir qualquer fenômeno que possa desestabilizar as potências imperialistas na região, ao mesmo tempo em que cuida de seus próprios negócios e se coloca como intermediária necessária para outras potências.
Uma mobilização em massa apoiada pela raiva contra a dominação.

"O ’sentimento anti-francês’ é o novo ’lamento do homem branco’: por que a França deveria se justificar por ter ’dado tanto de si’ para estabilizar uma região onde não teria interesse, argumentam os vassalos da Françafrique? No entanto, malineses, senegaleses, chadianos e nigerianos que se mobilizam contra grandes empresas francesas como a Total ou o Carrefour e pedem a retirada das tropas francesas de Niamey não o fazem porque não gostam da cultura francesa: estamos falando de séculos de dominação pela França que nunca terminaram, apesar da descolonização.

Se tivéssemos que resumir rapidamente as razões que alimentam a raiva podemos citar: o Franco CFA, ainda emitido pelo Banco da França, que dá à França o direito de influenciar as políticas monetárias de catorze países da região; um exército que age como força de ocupação; um quase-monopólio na produção, exploração e venda de recursos e uso de infraestruturas do país (urânio!) enquanto 60% da população do Níger não tem acesso à eletricidade; países tão esmagados por uma economia baseada na exploração e no saque de matérias-primas que figuram entre os piores indicadores de desenvolvimento humano do mundo (Mauritânia 161º, Burkina Faso 182º, Mali 184º, Níger, o último, 189º no mundo em termos de IDH); a aprovação de ditadores e ’democratas-dinásticos’ (encontre a diferença se puder) pelo presidente francês, como no caso do filho de Déby; "bombardeios de precisão" que atingem casamentos... A lista poderia ser ampliada, mas o conceito já é explícito: existem todas as razões para odiar a dominação e o imperialismo francês quando se é um trabalhador, desempregado, agricultor, estudante e se vive em um país dominado pela França. As recentes mobilizações em frente à base militar de Niamey mostram algo central: as massas podem impor uma relação de forças em face do imperialismo."

Uma parte do exército que busca aumentar seus parceiros

"De Assimi Goïta a Ibrahim Traoré, Abdourahamane Tiani, dos ’jovens coronéis’ aos sexagenários da guarda presidencial, a ’faixa’ de golpes de Estado esconde realidades muito diferentes dependendo dos países. No entanto, ainda é possível encontrar elementos de comparação em todos eles. Em primeiro lugar, o fato de que uma parte do Estado, do exército e das burguesias africanas não vê mais na França o único parceiro estratégico possível para resolver os problemas de crise interna no país. A mobilização do Grupo Wagner no Mali é uma demonstração da busca de uma facção do exército por mudar a abordagem na repressão dos chamados movimentos ’jihadistas’ ou de oposição no país. Outros prefeririam recorrer a negociações, uma lógica absolutamente rejeitada pela França, que considera que não negocia com ’terroristas’. No entanto, a França desempenhou um papel central na construção e no fortalecimento das estruturas militares no Sahel: financiamento maciço, obrigação de aumentar os orçamentos militares, formação de oficiais. Se o exército ocupa a posição que tem hoje no Níger, muito se deve à França.

Esses setores do exército veem no enfraquecimento da França e no aumento do peso de novos parceiros (China, Turquia, Rússia, mas também Alemanha e Estados Unidos) uma oportunidade de aproveitar a raiva das massas populares para negociar melhores condições geopolíticas e uma dominação menos flagrante. Embora ninguém tenha dúvidas de que as ’democracias’, como a defendida pela França de Mohammed Bazoum, eram apenas simulações destinadas a proteger os interesses franceses e as burguesias africanas, os golpes de Estado atuais não representam uma alternativa progressista: esses setores do exército veem as classes populares apenas como uma margem de manobra para negociar sua relação com as instituições internacionais e se inserir nas atuais mudanças nas tendências geopolíticas."

Uma ameaça de intervenção repleta de contradições

O cenário na África Ocidental hoje parece amplamente dividido entre dois blocos: de um lado, a CEDEAO (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental) atua como defensor legítimo dos interesses das potências imperialistas na região; do outro, os estados da zona das três fronteiras buscam construir uma lógica de blocos para se protegerem contra uma potencial intervenção imperialista, com uma lógica simples. A França (em oposição à União Europeia e até mesmo aos Estados Unidos) está pressionando por uma intervenção da CEDEAO, pois não pode tolerar um recuo tão significativo em sua esfera de influência histórica: humilhação de seu embaixador; soldados franceses cercados por milhares de nigerianos exigindo sua saída; substituição dos soldados franceses por tropas de Wagner no Mali... A imagem internacional da França, já bastante prejudicada fora de sua esfera de influência (submarinos australianos, Aukus, ’autonomia estratégica’ que ela é a única a querer), agora está mergulhada em uma tempestade de raiva em uma região onde, há alguns anos, seus soldados eram aplaudidos pela população e pela oposição malinesa.

No entanto, os fomentadores da guerra, como Catherine Colonna ou Emmanuel Macron, talvez não tenham compreendido completamente que não estamos mais em 2011, quando a França interveio para instalar Alassane Ouattara no poder na Costa do Marfim, e a situação mudou: no Senegal, mobilizações massivas percorrem o país todos os anos contra Macky Sall; na Nigéria, o Senado se opõe à intervenção da CEDEAO; no Chade, a fragilidade é tanta que qualquer evento poderia desencadear uma explosão contra o filho Déby. Em outras palavras, a França e seus aliados regionais podem ser rapidamente confrontados com suas contradições internas. A intervenção da CEDEAO pode abrir as portas para correntes profundamente reacionárias e um massacre em massa entre a Nigéria e o Níger, mas também pode desencadear uma crise histórica para os regimes ainda ’estáveis’ na região.

Abaixo o imperialismo! Abaixo a Françafrique!

Como já se pode compreender: a França desempenha apenas um papel reacionário nos países que domina. É uma potência que, apesar de seus pilares ainda estáveis (CFA, exploração de recursos, poder militar), enfrenta um revés tão sério que poderia ter consequências muito graves para o regime da Quinta República, historicamente construído em torno da defesa do papel político e militar da França no mundo. A primeira tarefa para o movimento operário e das organizações políticas que se identificam com a classe trabalhadora, para construir uma alternativa progressita, será se opor totalmente à possível intervençãod a CEDEAO no Níger.

As recentes mobilizações no Níger contra o exército francês mostraram que as massas populares e a classe trabalhadora nigeriana podem abrir o caminho para uma luta direta contra o imperialismo francês. Uma condição para isso é a intervenção real da classe trabalhadora e das classes populares de forma totalmente independente dos interesses da atual junta militar. A solidariedade que a classe trabalhadora francesa poderia expressar contra tal intervenção poderia ser um ponto de apoio crucial para acabar com a Françafrique e abrir caminho para uma verdadeira solução progressista: o fim da dominação francesa, a retirada de todas as tropas militares estrangeiras da região, a expropriação de todos os grandes grupos econômicos e seu controle pela classe trabalhadora em benefício da população, o monopólio do comércio exterior, entre outros, seriam critérios que permitiriam conquistar um verdadeiro caminho em direção à autodeterminação nacional, que só pode ser garantida no âmbito de um governo dos trabalhadores e de um Estado socialista.




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