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LEOAS DE PEPSICO | As mulheres de PepsiCo e a necessidade de um feminismo anticapitalista

As “Leoas de PepsiCo”, assim estão sendo chamadas as trabalhadoras da Argentina em luta contra as demissões. Essa analogia intensa mostra a força que tem tido essas mulheres na luta; mas mais ainda, esse processo retoma o debate sobre como resgatar um feminismo ligado à luta de classes, ou seja ao marxismo. Resgatando uma estratégia de combate ao capitalismo para a luta das mulheres.

Isabel Inês São Paulo

quinta-feira 27 de julho de 2017 | Edição do dia

A cada luta que os trabalhadores passam, para além da vitória ou derrota objetivas, somam-se experiências e lições. Saber ver e apreender quais experiências tiram de cada processo possibilita aos trabalhadores chegarem mais bem preparados às lutas decisivas, encarando assim cada batalha, nem que sejam parciais, como “escolas de guerra”. O conflito de PepsiCo, além da experiência de superação da burocracia sindical, da luta decidida, dos exemplos de auto organização e de conquista social, conseguindo aglutinar o sentimento anti-ajustes instalado.

Queria me deter aqui sobre a experiência em relação à organização das mulheres e o entrelaçamento da luta das trabalhadoras com o combate as opressões.

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Muitos sindicatos dizem que as greves e paralisações devem ser para conquistar “demandas da categoria”, a própria burguesia condena “greves políticas”, para impedir que os trabalhadores apareçam como sujeitos políticos. Ao tratar da questão da mulher é inevitável que as demandas se expandam das relações do mundo do trabalho, para tocarem pontos que atingem setores oprimidos da sociedade e outras categorias de trabalhadores que sentem o mesmo.

Ou seja, ao lutar pelo direito a igualdade salarial, a creches, direito a licença maternidade, ou mesmo direito ao aborto e outros, as mulheres expandem para fora dos interesses particulares da categoria, ou interesses corporativos, para demandas de outras categorias e de setores mais amplos da sociedade.

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Essa é uma força perigosa para a burguesia, justamente porque mostra que os trabalhadores podem levantar e resolver problemas de “todo o povo”. Assim como as trabalhadoras e trabalhadores da PepsiCo, na Argentina, tem ganhado mais repercussão por estar conseguindo aglutinar o sentimento anti-ajuste da população. As mulheres lutando tem a possibilidade de construir um feminismo combativo, colocar novamente um caráter revolucionário à luta das mulheres e assim organizar o sentimento de combate às opressões num sentido de combate ao capitalismo.

A “novidade” da luta das “Leoas” é justamente colocar de novo a luta contra as opressões casada a luta contra o capitalismo. Devido a ofensiva do neoliberalismo pós queda do muro de Berlin e fim da URSS, o feminismo foi perdendo seu perfil de combate e se transformando em distintas correntes, que apesar de suas diversas distinções, se assemelhavam no fato de serem inofensivas ao capitalismo, separando sua resistência de uma estratégia transformadora ligada à classe trabalhadora. Assim de uma forma ou outra acabam incorporadas pela própria agenda política dos governos e empresas.

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Apesar de vermos uma expansão do debate sobre opressões as mulheres, esse avanço subjetivo ou cultural, não resulta num avanço objetivo de melhoria na vida real das mulheres. Pelo contrario, os índices de feminicídio seguem altos, as mortes por abortos, a violência domestica etc, isso porque todas as outras estratégias do feminismo não agarram a base do problema (quando não são diretamente correntes neoliberais): quais são as condições materiais da vida que reproduzem o machismo, ou seja, como o capitalismo se apropriou, preserva-se e se enriquece com o machismo. A maioria das correntes caem em reflexões de saídas individuais, de empoderamento, ou de medidas de inclusão limitadas em si mesmas.

Contudo, o capitalismo é um sistema que se baseia na exploração e geração de lucro, não em responder as necessidades reais da população. Assim o capitalismo assimila e combina as opressões à exploração para potencializar novas formas de gerar mais lucros, explorando mais setores considerados “inferiores”, como as mulheres, os negros, os LGBTs. E esse fator tem um efeito prático na vida dessas pessoas, por exemplo, das mulheres trabalhadoras, que são exploradas pelos patrões, mas também sofrem a opressão de gênero por serem mulheres.

Esse fator não é para se levar a ter uma visão de que “já que no capitalismo é impossível conquistar a verdadeira emancipação, então nem devemos lutar pelas demandas das mulheres”; pelo contrário, saber que só é possível emancipar decididamente as mulheres quando conquistarmos uma sociedade sem exploração e onde homens e mulheres tenham acesso as mesmas condições de vida. Este deve ser um norte revolucionário para cada luta que é dada hoje. Com cada processo sendo um pilar para chegar a esse objetivo comunista.

Acabar com a divisão entre homens e mulheres

Em entrevista a trabalhadoras de Buenos Aires, Katy Balaguer, operária da PepsiCo explica a história de luta das mulheres nessa fábrica e a batalha conjunta pelos direitos das mulheres contra a patronal, mas também para conquistar a unidade com os trabalhadores homens, para que vissem que as lutas das mulheres eram também deles.

Essa luta ideológica contra o machismo é fundamental para unir as fileiras operárias. O machismo é também um recurso ideológico que a burguesia usa para enfraquecer e dividir os trabalhadores. Se um homem bate em uma mulher, assedia ou maltrata como eles vão poder lutar juntos contra demissões ou ajustes que estamos vendo, como a reforma trabalhista no Brasil e Argentina? Ou se os homens secundarizam ou ignoram pautas como mesmo salários e direitos, creches ou contra os assédios, essa divisão enfraquece os trabalhadores de conjunto, alem de que o capitalismo se apoio nessas opressões para diminuir os salários e direitos de todos os trabalhadores.

As correntes feministas radicais que defende que os homens são necessariamente machistas e que deve haver uma unidade entre todas as mulheres independente da posição social, apenas contribui para manutenção do próprio machismo como método de exploração. São anti operárias e impede essa unidade da classe, tão fundamental. Além de ser um feminismo "para poucas" que tem uma suposta possibilidade de se emanciparem por dentro do sistema.

Em PepsiCo os trabalhadores levaram a luta pela efetivação dos terceirizados e pelos mesmos direitos entre homens e mulheres. Rompendo essa separação imposta pelo machismo, devido a conquista dessa unidade entre todos os trabalhadores, hoje a PepsiCo é a única empresa do ramo da alimentação onde se conquistou “igual trabalho, igual salário" para homens e mulheres. Também conquistaram creche paga pela empresa e a não demissão das trabalhadoras que estavam “quebradas” pelo ritmo de trabalho.

Nessa batalha por unificar os trabalhadores, esse ano fizeram uma paralisação histórica no dia da mulher, sendo parte da paralisação internacional, essa fato foi fruto de anos de debate e experiências comuns de luta. Na fabrica, Katy já havia conseguido impor que cada 8 de março fosse um dia de debate sobre a situação das mulheres.

Essas e outras lutas, como contra a terceirização que atinge diretamente as mulheres, foram a base para chegarem até hoje, construindo comissões internas e organizando as mulheres.

Um feminismo de classe

Ver essas mulheres na linha de frente causam tanto impacto, justamente porque esta ai a forma de se tornarem sujeitos políticos. A opressão sentida não é respondia de forma individual, mas sim com um combate coletivo, e assim conseguem se tornar exemplo a outras trabalhadoras e setores oprimidos.

Esse processo vem se mostrando também uma verdadeira luta política com os feminismo burgueses ou cooptados. O feminismo burguês, que reivindica mais mulheres no poder, como Angela Merkel ou Hilary Clinton, é diretamente um braço do capitalismo colocando a ideia que o capitalismo deu certo, só precisamos incluir mais as mulheres. O que obviamente para uma mulher trabalhadora com sua dupla jornada e precarização, o capitalismo não deu tão certo assim.

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Friedrich Engels no seu livro “A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra" fala como era comum as mulheres trabalharem até o último dia de gravidez, quando não acabavam tendo os filhos no meio das maquinas. Essa condição degradante imposta pelo capitalismo não é coisa do século 19, e o contrário do que diz o reformismo de que basta luta por melhores direitos que paulatinamente iriamos ver melhoras, o que vemos na verdade é com a aprovação da reforma trabalhista, de novo mães serem obrigadas a trabalhar ainda lactantes em lugares insalubres e com risco de contaminação.

Além do aumento do assédio o facilitamento para os patrões demitirem, e sabemos que em vários locais as mulheres são demitidas quando engravidam. Enquanto por outro lado o Estado impede o direito ao aborto, moralizando e condenando milhares de mulheres a morte.

Essa cara mais reacionária do capitalismo não é só um governo, como o do Temer, mas sim uma necessidade de explorar ainda mais frente a crise aberta em 2008. Por isso mesmo feminismo que pregam o empoderamento ou a luta por reformas acabam completamente inofensivos. O primeiro cogita a possibilidade de uma libertação individual, um conceito totalmente elitista, uma vez que milhares de mulheres mal tem acesso a estudo, ou há lugares que ainda são obrigadas a casamentos forçados a depender dos maridos por receberem menos etc.

O que as mulheres da PepsiCo mostram é que é necessário casar a luta contra o machismo ao capitalismo. Que não tem qualquer expectativa que esse sistema vá dar qualquer avanço as mulheres, e é necessário reconquistar um feminismo de classe, anticapitalista e revolucionário.




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