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INCÊNDIO NO MUSEU NACIONAL DO RJ | A tragédia do Museu Nacional: conheça parte do acervo perdido e que jamais será recuperado

O dia dois de Setembro de 2018 ficará para sempre marcado como o dia de uma das maiores tragédias que jamais se abateram sobre a ciência brasileira. O incêndio que destruiu o Museu Nacional constitui um verdadeiro crime contra conhecimento e a memória, e foi fruto de muitos anos de descaso e ataques a ciência nacional. No entanto, agora que Inês já é morta, as ditas autoridades cinicamente colocam-se a lamentar a perda do acervo de 20 milhões de itens, como se fossem nada mais do que curiosidades que podem ser obtidas em qualquer esquina.

Luiz HenriqueProfessor da rede estadual em Resende, RJ

terça-feira 4 de setembro de 2018 | Edição do dia

Talvez o comentário que melhor exemplifique essa linha de pensamento tenha vindo do bispo obscurantista, intolerante, proselitista e anticientífico que hoje ocupa o cargo de prefeito na cidade do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella. De um modo tacanho e ignorante, do jeito que só só uma mente doutrinada por um pensamento religioso-medieval é capaz, falhou miseravelmente em denotar qualquer apreço ao patrimônio cientifico ali perdido, declarando que “É um dever nacional reconstruí-lo das cinzas, recompor cada detalhe eternizado em pinturas e fotos e ainda que não seja o original continuará a ser para sempre a lembrança da família imperial que nos deu a independência, o império...”

O que o político-pastor não foi capaz de entender, bem como uma boa parte dos políticos que se pronunciaram diante da tragédia, era que a riqueza do museu não estava apenas no valor material do seu acervo histórico inigualável, mas também em todas as possibilidades de pesquisas que ele proporcionava.

O Museu Nacional era uma das maiores instituições de pesquisa do Brasil, e recebia materiais para análise e estudos do mundo todo. Haviam pelo menos cinco departamentos que funcionavam no palácio: Antropologia, Entomologia, Geologia e Paleontologia, Invertebrados e, por fim, Vertebrados. Apenas Botânica estava em outro prédio.

Em cada um desses departamentos haviam materiais coletados de expedições no Brasil inteiro, e até mesmo de fora, esperando para serem analisados e resultarem na rica produção científica que sempre que sempre marcou a história da instituição.

Abaixo seguem algumas linhas de estudo que estavam sendo desenvolvidas e que foram destruídas, juntamente com suas respectivas coleções:

• O estudo da ocupação humana no continente americano, bem como das migrações internas que ocorreram em diversos períodos no território nacional, desenvolvida pelo Setor de Antropologia Biológica (SABMN). A coleção de ossos do SABMN era a maior do seu tipo no Brasil.

• A Biblioteca Francisca Keller, talvez a biblioteca mais importante de antropologia do país, pertencente ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (PPGAS). O PPGAS, quem sempre obteve nota máxima na CAPES, era uma referência na área no continente sul-americano.

• O setor de arqueologia, também um dos mais importantes do país, que além do acervo inigualável e famoso, com peças inclusive do Egito, desenvolvia estudos relacionados aos povos do sambaqui, que habitaram o litoral do Brasil em um período anterior aos povos indígenas, da qual muito pouco se sabe.

• A pesquisa em línguas indígenas desenvolvida pelo setor de linguística, com inúmeros materiais inéditos.

• A riquíssima coleção de etnografia, que incluía diversos materiais da África e Oceania, também uma das mais importantes em sua área no Brasil.

• Uma das maiores coleções entomológicas da América Latina, com cinco milhões de espécimes. O setor de entomologia reunia algumas das maiores autoridades do Brasil em sistemática, morfologia, ecologia e biodiversidade.

• Os laboratórios de pesquisa em geologia sedimentar e ambiental, que analisavam desde processos erosivos até a contaminação do solo com materiais tóxicos. Havia neles uma coleção de amostra de sedimentos do mundo inteiro, inclusive da antártica.

• As coleções de rochas meteóricas, que incluía inclusive o famoso “bendegó”, um imenso meteorito que ficava na entrada da exposição do museu, bom como a de mineralogia e petrografia, que desde o incêndio no Museu do Museu da Terra, era principal referência da área no Rio de Janeiro.

• A pesquisa em palinologia, o estudo dos fósseis de pólens. É a partir deste trabalho que são desenvolvidas novas metodologias para encontrar petróleo. E também havia uma coleção palinológica importante no museu.

• De maneira bem resumida, os setores de paleontologia do Museu Nacional, (paleovertebrados, paleoinvertebrados e paleobotânica), formavam, junto com o DNPM na Urca, a maior e mais importante coleção paleontológica do Brasil, e principal centro de formação de pesquisadores nesta área.

• A pesquisa em biodiversidade de invertebrados marinhos e aracnologia, de excelência, com ênfase no mar profundo, além de um dos principais polos de educação ambiental.

• A imensa e importantíssima pesquisa em vertebrados, que contavam com 90.000 exemplares de anfíbios, 30.000 de répteis, 40.000 de peixes, 100.000 de mamíferos e 60.000 de aves, entre os quais encontravam-se milhares de “tipos” (indivíduos usados para “representar” as espécies). Ou seja, uma coleção de importância mundial.

Diante de tudo o que foi perdido e que jamais poderá ser recuperado, talvez as melhores palavras tenham sido de um senhor que, ao ser entrevistado pela Rede Globo (a mesma emissora que apoiou o golpe, usado entre outras coisas para aprovar “a PEC do fim do mundo”), diante de um Museu Nacional ainda em chamas disse: “Eu não sou religioso, mas amaldiçoados sejam os culpados por esta tragédia”. O que torna esta tragédia toda mais absurda é saber que bastavam onze segundos de pagamento da fraudulenta, ilegítima e ilegal dívida pública para cobrir o orçamento do Museu Nacional. E também por uma Petrobrás 100% estatal, sobre controle dos trabalhadores, para termos saúde, educação e cultura!




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