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GREVE GERAL COLÔMBIA | A luta da classe operária e dos oprimidos na Colômbia mostra: é preciso abolir a polícia!

As mobilizações na Colômbia sacodem o continente americano e botam medo na burguesia em todo mundo. Mas também questionam profundamente um dos pilares do sistema capitalista: a polícia. O país tem um histórico de brutalidade, com esquadrões da mortes, milícias paramilitares e assassinatos em série dos lutadores indígenas, operários e populares. A luta pelo fim da polícia é a luta pelo fim do capitalismo!

Rosa Linh Estudante de Relações Internacionais na UnB

quinta-feira 6 de maio de 2021 | Edição do dia

As mobilizações na Colômbia sacodem o continente americano e botam medo na burguesia em todo mundo. Já se soma uma semana de greves e paralisações nacionais, com a classe operária, os indígenas, a juventude e LGBTQ+ à frente. A reforma ultraneoliberal do direitista e capacho imperialista Iván Duque caiu por hora, mas os explorados e oprimidos do país querem ir por mais.

Trata-se de um questionamento generalizado do aumento da extrema-pobreza, da fome e do desemprego. Mas além desses elementos, outro fator é central na luta recente dos colombianos: um ódio furioso da polícia, dos esquadrões racistas e assassinos dos lutadores indígenas, operários e populares.

A violência e brutalidade pela qual atua a ESMAD (Esquadrão Móvel Antidistúrbios), da Polícia Nacional e suas ramificações é absurda. Entre o dia 28, quando começam os protestos, até o dia 4, foram mais de 1440 casos relatados de violência policial; 31 vítimas de homicídio; 216 vítimas de violência física; 814 prisões arbitrárias; 239 intervenções violentas; 21 vítimas de agressões oculares; 77 casos de disparos de arma de fogo e 10 vítimas de violência sexual. Mas essa situação não é nova.

Todo a violência policial de hoje é herdeira direta das décadas de repressão pela qual passou a Colômbia. O país se tornou um verdadeiro laboratório para a interferência imperialista, sobretudo estadunidense, sob a desculpa da "guerra às drogas", promovendo massacres e chacinas aos lutadores.

Um pouco da história da repressão na Colômbia

Segundo o sociólogo venezuelano Ángel Arias, membro da Liga dos Trabalhadores pelo Socialismo (LTS), partido irmão do MRT, por décadas a Colômbia esteve sob o que ele chamou de "paranarcopolítica". Ou seja, para reprimir o movimento operário, camponês, indígena e popular, ajudados pelo imperialismo estadunidense na suposta “guerra às drogas”, o Estado colombiano recorreu sistematicamente à criação e suporte a grupos paramilitares e ao terrorismo de Estado. As atuais unidades militares da polícia, que supostamente lutam contra o narcotráfico, estão estreitamente ligadas a agências estadunidenses como a DEA (Drug Enforcement Administration), e foram formados por agentes do Serviço Aéreo Especial (SAS) do Exército Britânico. É bom lembrar também que Joe Biden foi parte do Plan Colombia - que criou a ESMAD. Uribe, ex-presidente do país, é um exemplo disso. Para Uribe em particular, o imperialismo americano e europeu permitiu um nível de crimes que nunca teriam sido perdoados se ele não estivesse alinhado com seus interesses.

Dezenas de deputados e senadores uribistas tiveram vínculos comprovados com grupos paramilitares, além de juízes e altos funcionários do sistema judiciário e de outros órgãos do Estado. O Convivir (Cooperativas de Vigilância e Segurança Privada para a Auto-Defesa Agrária), por exemplo, permitiu ao Estado colombiano autorização de formação de forças armadas paraestatais para enfrentar os guerrilheiros das FARCS, permitindo-lhes usar armas de guerra até então reservadas ao exército formal e dando-lhes rédea para que esses órgãos desempenhassem funções de segurança em várias áreas do território, substituindo as forças regulares. Certamente, isso foi uma porta aberta para que verdadeiros “batalhões” de um exército privado se formassem a serviço dos latifundiários e dos capitalistas, sem responder a nenhuma lei que não seu mandato direto.

Uma sentença do Tribunal de Justiça e Paz de Bogotá em 2013, contra um ex-líder paramilitar de Urabá Antioqueño, destaca que dos 414 Convivir criados até dezembro de 1997, “muitos foram organizados e legalmente representados por comandantes de grupos paramilitares”. Esses grupos tiveram o apoio de agências de inteligência, governadores e outras agências estaduais. Como aponta um relatório sobre o assunto, segundo o tribunal superior, quadrilhas paramilitares passaram a contar com o apoio do Estado “em aspectos como equipamentos e logística, financiamento, operações em campo coordenadas com o Poder Público, acesso a órgãos locais, regionais, estaduais e nacionais, bem como falsificação de identidade do Estado em algumas regiões do país ”.

Entre 2003 e 2006 foi realizado o processo de “desmobilização” e “reintegração” de – em teoria – pouco mais de 31.000 paramilitares, um processo pactuado que coroou a impunidade para as ações dessas quadrilhas. Mas talvez o mais importante é que isso foi feito em condições que permitiram tanto o arquivamento de muitos dos crimes e de seus perpetradores, quanto uma reconfiguração desses grupos. A Comissão Colombiana de Juristas indica que 4.820 pessoas foram mortas ou desapareceram por grupos paramilitares durante o processo de negociação e desmobilização.

Segundo o Instituto Colombiano de Medicina Legal, o número de pessoas enterradas em valas comuns chegaria a 200.000. Entre 2016 e 2020, ou seja, período de assinatura dos acordos de paz com as FARC, segundo a ONG Temblores, foram 971 indígenas, camponeses, sindicalistas, mulheres e ambientalistas assassinados por forças estatais ou paraestatais ligadas à direita. É o primeiro país do mundo em assassinatos de sindicalistas e líderes sociais; assim como defensores do meio ambiente, camponeses e comunidades indígenas também morrem.

O fato é: a brutal repressão no país, desde a ESMAD, os Convivir, os grupos paramilitares até a Polícia Nacional e as CAI (Comandos de Atenção Imediata - unidades de policiamento locais subordinadas à Polícia Nacional) - todos são diferentes maneiras do Estado colombiana, com a ajuda do imperialismo, matar e reprimir a classe trabalhadora e os oprimidos. A polícia, os esquadrões especiais e os grupos paramilitares, no final das contas, atuam em comum - e por vezes juntas - para massacrar e amedrontar os operários e oprimidos em luta. Isso nos leva até um ponto muito importante: qual deve ser a posição dos revolucionários em relação à polícia?

Como o marxismo vê a polícia

Não se tratam de maçãs podres, pessoas malvadas e “corrompidas pelo sistema” - se trata de um bando armado de racistas fardados, porcos protetores da propriedade privada e da burguesia.

Leon Trótski, debatendo em sua obra Revolução e Contrarrevolução na Alemanha contra as ilusões da socialdemocracia alemã na polícia durante os anos 1930 afirmava que:

“um trabalhador que entra para a polícia deixa de ser um trabalhador, passa a ser um agente fardado da burguesia”

Em meio à revolução russa, sua caracterização sobre a polícia não era menos clara:

“O desarmamento dos ‘faraós’ [apelido para a polícia] tornou-se uma palavra de ordem universal. A polícia é o inimigo cruel, implacável, odiado e odioso. Ganhá-los está fora de questão”

Lênin também desenvolve o caráter irreconciliável dos interesses da polícia frente aos interesses dos trabalhadores. Comentando a obra de Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, classifica a polícia como um destacamento de homens armados a serviço do Estado burguês, um órgão de opressão dos trabalhadores pela classe dominante.

A polícia e os esquadrões da morte, racistas e genocidas por definição, na Colômbia e no mundo, são expressão dos irreconciliáveis interesses de classe. A burguesia precisa de um destacamento especial de homens armados para matar, torturar e reprimir o proletariado e seus aliados, para garantir sua dominação e a exploração. Portanto, a luta pelo fim da polícia é fundamental para destruir o Estado burguês e superar o capitalismo.

Leia mais: A luta para acabar com a polícia é a luta para acabar com o capitalismo

Não é possível reformar a polícia, muito menos "ganhá-los" para o nosso lado

Que faria a esquerda brasileira se estivesse na Colômbia? Defenderia que a esquerda "crie bases na polícia", como diz o stalinista Jones Manoel do PCB - confundindo o ABC do comunismo, como se a polícia fosse igual às Forças Armadas (é bom lembrar que a base das Forças Armadas sempre se dividiu na história de grandes guerras e revoluções por influência da classe operária em luta, justamente por estes não cumprirem, em linhas gerais, um papel repressivo e de proteção da propriedade provada em tempos de paz como faz a polícia)? Diria que é preciso abrir dialogo com "policiais antifascistas" como gosta o MES/PSOL ou mesmo apoiar motins policias como fez o PSTU? Ao contrário do que parte significativa da esquerda brasileira defende - o marxismo revolucionário não considera nem de longe que é possível reformar a polícia ou “ganhá-los” para o nosso lado.

A defesa de ideias como "melhor salário para os policiais" ou "melhores condições de trabalho para a polícia" consideram o policial como membro da classe operária. Mas isso é um grande erro. É uma visão mecânica de que, por causa do policial receber um salário, logo, ele é um trabalhador.

Mas a função social do policial é proteger a propriedade privada, ser um cão de guarda da burguesia. A função social das enfermeiras que salvam vidas todos os dias; dos metroviários que transportam milhares de pessoas todos os dias de casa para o trabalho; dos metalúrgicos que fazem o ferro dos aviões, dos prédios, das pontes - a função social de todos os trabalhadores é qualitativa e radicalmente diferente da dos policiais. O proletariado vende sua força de trabalho para o capitalista, mas é ele quem produz valor e faz o mundo girar e, portanto, tudo transformar. O policial não: ele é um capacho racista e dedica sua vida pra que a classe operária não mude nada. O policial na verdade é parte muito importante de assegurar que o proletariado de conjunto continue sendo explorado, oprimido e que a mais-valia gere bilhões e bilhões em lucro para a burguesia.

Isso explica porque nenhum policial teve problemas em matar Nego Beto no Carrefour de Porto Alegre e, depois, espancar manifestantes nos protesto pelas vidas negras. A mesma polícia que, no Brasil, assassina Miguel, João Pedro, Ágatha, Marielle Franco e milhares de negras e negros todos os dias nas favelas. Os mesmos porcos capitalistas que fazem chacinas como a do Jacarezinho, uma operação policial que mata 25 pessoas e deixa passageiros baleados no metro do Rio de Janeiro.

Defender a reformar da polícia ou que é possível ganhar um policial para a luta da classe operária, além de tudo, é ir contra todos os últimos exemplos de luta do proletariado mundial.

O levante levado à cabo pela juventude colombiana em setembro do ano passado contra o assassinato de Javier Humberto Ordóñez, eletrocutado até a morte pela polícia, teve uma altíssima radicalidade contra a brutalidade policial. Em Bogotá, foram destruídos cerca de 54 dos 130 CAIs, dos quais 17 arderam em chamas.

O Black Lives Matter nos EUA teve como algumas das principais bandeiras a luta pela expulsão dos policiais dos sindicatos, o desfinanciamento e a abolição completa da polícia. A luta pela abolição da SARS (Esquadrão Especial Antirroubos) na Nigéria e os operária e oprimidos na Colômbia - a luta contra a polícia e o governo de Iván Duque encarnam os milhares de lutadores mortos e grita bem forte que a juventude e a classe operária não tem nada a perder. O ódio contra a polícia racista é internacional.

Portanto, os revolucionários precisam batalhar pela abolição da polícia! Essa é uma das bandeiras fundamentais que armam a classe operária para combater a brutalidade e a repressão, mas também avançar para enterrar o capitalismo em todo o mundo. Nos espelhemos no exemplo das massas colombianas em luta!

Leia mais: Que faria a esquerda brasileira que defende a polícia, se estivesse nos Estados Unidos?




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