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Movimento Estudantil | A dicotomia da Feira de Profissões USP

Epitáfio ao desmonte da Universidade Pública.

sexta-feira 15 de setembro de 2023 | Edição do dia

Uma dicotomia vale por milhares de expressões: que fenômeno é esse que deteriora-se por si só? A Universidade de São Paulo hoje reivindica o título de "melhor universidade da América Latina", um centro de estudos de excelência mundial e de protagonismo em todo um continente. Gasta milhões para pôr esse título "em jogo" nessa semana desse mês de setembro de 2023, com o evento da feira de profissões.

Os stands, os anúncios, os ônibus fretados lotados de secundaristas do ensino público e privado são permeados pela imagem da "excelência" dessa lúdica USP, em direção à Praça do Relógio, para o futuro do país e da carreira desses estudantes! Uma fantástica fabulação! Mas que é só isso: uma fantasia, uma fábula de lugar.

A Universidade número um no ranking de toda a América Latina. Um marco histórico e tradicional, uma instituição histórica e profissional, polivalente. Um destaque, mas que hoje destaca-se por descartes.

Descartando a formação de estudantes críticos-reflexivos, a reitoria da Universidade se encontra hoje permeada pelo projeto privatista e neoliberal que está também no governo do estado de São Paulo de Tarcísio de Freitas. A USP descarta também cursos ímpares, um por um. O único curso de coreano na América Latina inteira - o que materialmente significa a habilitação de letras-coreano da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) - praticamente fechou nessa semana, na melhor universidade da América Latina.

A melhor universidade da América Latina perde um curso singular em todo um contingente internacional. Um pequeno corte de gastos, afinal. É muito difícil ver as "pequenas particularidades", como afirmou o Reitor da Universidade, Carlos Gilberto Carlotti Júnior, no programa Roda-Viva, da TV Cultura, há duas semanas. O curso fecha por falta de professores, esses, descartados cada vez mais da universidade. O reitor se desvia do óbvio, do substancial para uma universidade existir - de professores para formarem profissionais, para ocupar as profissões. O curso de coreano fecha porque não há professor, sobre o amargo gosto das palavras do reitor, de que contratar professores é um gasto muito grande, que precisa ser muito cautelosamente pensado - no maior tom de não ser nada mais do que ele falou, um pensamento. E assim, torna-se visível que os belos stands lotados de adornos e cores na vistosa Praça do Relógio estão, concretamente, vazios de sentido.

É evidente que o caso do Coreano não é uma pequena particularidade, é na verdade uma pequena amostra do desmonte e do descarte da USP. A falta de professores pode ser encontrada em outros cursos da Letras como na habilitação de japonês, também ao lado do prédio beletrista, na História, curso que passa por uma reforma curricular conturbada e que projeta-se em uma realidade sem professores para diversas matérias, em ambas grades nova e antiga. Pode ser encontrada também à leste na EACH (Escola de Artes e Ciências e Humanidades), onde faltam professores em cursos como Obstetrícia, e de volta à Cidade Universitária, no prédio de Artes Visuais da ECA (Escola de Comunicação e Artes), onde graduandos correm sério risco de não se formarem. Fato é que hoje, na USP, descartam-se cursos, estudantes e professores que garantem a excelência desta universidade.

E, historicamente, nessa mesma USP, descartam-se os trabalhadores que erguem essa Universidade do chão, esse, que eles que limpam e prestam manutenção. Os trabalhadores do bandejão fornecem alimentação fundamental para milhares de estudantes e funcionários. Trabalhadores de diversos setores de diversos institutos, como recentemente as funcionárias e os funcionários de limpeza da Faculdade de Medicina da USP, que tiveram descartados direitos trabalhistas severos e condições básicas de trabalho, tudo sobre um principal norte: a terceirização.

Durante a pandemia do coronavírus, aos trabalhadores do Bandejão Central do campus Butantã, a Cidade Universitária, isso a poucos metros da vistosa Feira de Profissões que hoje está montada na Universidade, foram negados a testes de COVID-19 e a medidas básicas de proteção para cumprir seu trabalho com segurança.

Descartam-se também os sonhos dos secundaristas desde a base. O estudante de Ensino Médio que visita a USP esse ano tem um horizonte de expectativas reduzido a marasmo. O projeto de educação superior, que basicamente é o definhar de inúmeros cursos só não fica para trás do inovador projeto doloroso do Novo Ensino Médio: com disciplinas tecnicistas e pouco contemplativas do conhecimento científico, social e artístico é a receita perfeita para o desastre (não confundir com a disciplina proposta para esse projeto de "brigadeiro caseiro") quando somada à precária realidade do ensino público brasileiro. Hoje a realidade é de professores sendo contratados na rede estadual sob regime análogo à terceirização pela imprescindível Categoria O, ou os sucessivos congelamentos de recursos à educação que remontam ao Governo Temer com a PEC 241 na década passada até as mais novas realizações do governo Lula-Alckmin. Esse que, por sua vez, demonstra-se passivo e até mesmo contrário à Revogação do Novo Ensino Médio. Aulas como a recente disciplina de "jovem capitalista", sancionada por Tarcísio, um projeto reacionário do Movimento Brasil Livre, tão reacionário quanto, não só encontram-se à par de um processo de alienação da juventude brasileira e de fomento das ideias neoliberais, marcadas pela falta de pensamento crítico-reflexivo, mas também de uma realidade cruel: de que não há professores que ensinem essas matérias - são disciplinas retiradas do descaso e do desmonte. E que, em uma relação de complacência com o projeto de universidade, busca extinguir o conhecimento acadêmico da esfera pública e fomentá-lo unicamente pelos interesses do mercado. Busca-se também extinguir esse conhecimento do mapa, encerrando a formação de futuros professores, profissionais capazes de sintetizar pesquisas e estudos para a formação sócio-cultural de jovens e adultos no país.

A dicotomia da Melhor Universidade da América Latina não para por aí. Busca-se nessa feira intrigar os alunos de Ensino Médio ao ambiente universitário e às ciências, artes e filosofias incríveis que a educação fornece, ao mesmo tempo que não garante a permanência estudantil de jovens de baixa renda. Sendo os cortes a bolsas e auxílios da Universidade e a condição insustentável do Crusp (Conjunto Residencial da USP), hora sem água, hora sem prédio, fenômenos fundamentais da precariedade da universidade. Mas isso não é à toa, afinal, a USP foi a última das grandes universidades do país a aceitar cotas.

A fantasia de uma Universidade fabulou-se pelo topo alcançado no ranking que é tão idealista quanto as premissas de excelência da USP. Com mais de sete bilhões de reais em caixa, a reitoria reserva migalhas financeiras ao conhecimento público. O desmonte e o descarte não são apenas descaso, despreparo. Ele está presente e com força desde os processos de inserção das fundações privadas nos anos 1990 sob o longo governo do PSDB no Estado de São Paulo, onde a fantasia de Universidade estava evidente: torná-la privilégio do mercado, produzindo conhecimento para ele.

Em 2023, que profissionais buscam-se formar? Que profissões tornaram-se exemplo de excelência? Para a classe trabalhadora, a esmagadora maioria da população e quem move esse país continental, a figura do empreendedor é mais uma fantasia que assombra a juventude. Por baixo dessa máscara encontra-se um grupo social de trabalhadores superexplorados com mais de 12 horas diárias trabalho não-formal, representado pelos entregadores de aplicativos. Da mesma forma, as ideias e lutas pela igualdade de gênero são desafiadas todos os dias pela forte precarização do trabalho, delimitadas pela terceirização de milhões de trabalhadoras Brasil afora.

No dia em que a Feira de Profissões se encerrar, claro, até essas superestruturas serem remontadas por trabalhadores e trabalhadoras no próximo ano, a falsa sensação de apaziguamento da precarização do trabalho cairá como uma lágrima. A depender da reitoria essa Feira será menu à la carte de tal USP distópica, com a perspectiva de cada ano tornar-se mais mercadológica e privatista. No entanto, a Universidade é casa, e por vezes, casa ocupada e tomada, dos estudantes com o potencial de resistir e reverter os ataques neoliberais impostos de cima para baixo pela reitoria. Não só, e não a sós, a luta estudantil deve resistir à precarização do Ensino em todas as esferas, contando os secundaristas, juntamente e em aliança com os trabalhadores - por serem estes que constroem a universidade, ao mesmo tempo em que estão na linha de frente aos ataques sucessivos que os governos realizam à nossa classe.

Para toda a deterioração que se dá em si mesma nos marcos do nosso tempo, em um eterno retorno entre a fantasia e a fatalidade, a construção de uma luta conjunta há de ser a resposta para lutar e transformar esse mundo, em constante estado e promessa de destruição.

Hoje, dia 15, votou-se greve nos cursos de Geografia, História e Letras, interligadas por um indicativo de greve no dia 21 desse mês pelo Diretório Central dos Estudantes, o DCE Livre da USP. A previsão é de que outros cursos discutam em assembleias próprias pela adesão da greve.

Contratação já para toda demanda! Unificar as lutas contra Tarcísio, o desmonte da USP e o Novo Ensino Médio!




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